Exposição da artista plástica Altina Martins
Museu Nacional de História Natural e da Ciência
Que haja luz, em vez de obscuridade
Altina Martins ao longo do seu percurso como artista plástica tem vindo a experimentar diferentes formas de trabalhar a luz e nesse seu caminho procura também a reconciliação do nosso planeta. “A comunhão de eus secretos baseada em revelações mutuamente estimuladas pode ser o núcleo do relacionamento amoroso. Pode fincar raízes, germinar, desenvolver-se dentro da ilha autossustentada, ou quase, das biografias compartilhadas.”[1] Os trabalhos de Altina transmitem também a sua preocupação ambientalista e estão inseridos numa estética de resistência.
A instalação Narval aproxima-se desse ideal estético-filosófico e representa a interação da artista com o Museu Nacional de História Natural e da Ciência, remete-nos para a necessidade de reconhecimento e preservação dos ecossistemas. “O Narval (Monodon monoceros), também conhecido como unicórnio do mar, é um mamífero marinho raro que vive nas águas geladas do círculo Polar Ártico. Da ordem dos cetáceos (parente das baleias), o animal é conhecido principalmente pelo o que parece ser um chifre saindo da sua cabeça.”[2] Na peça Narval os materiais que a compõem, vidro soprado, conchas de lingueirão, mosquetão e fios de papel, seda, glow-in-the-dark, refletor, prata de lei e prata dourada, são um veículo para a mediação da luz com os seus espectadores.
Citando a artista “A escultura que apresento, uma tapeçaria que se expande através de materiais orgânicos e inorgânicos, invoca o reino animal e o plano simbólico revelando que o masculino e o feminino, técnica e sensibilidade, ciência e arte, natureza e progresso, desejo e consciência, podem coexistir no mesmo corpo, espaço ou criação.”
Podemos entender a sua estética não muito longe da espiritualidade, a instalação Narval pensa a luz a partir da espiritualidade como uma irradiação, dando forma à harmonia.
É principalmente sobre o trabalhar a tapeçaria sobre a sua essência, sobre o que representa e que quer representar que Altina se exprime, se emancipa e se exalta. “É isso o que faz também Baudelaire, pois o que importa é que a representação alegórica do mundo lhe ofereça um refúgio contra a realidade da existência separada, que lhe seja capaz de fornecer as armas para o combate que se trava no plano humano ou, se se prefere, no plano poético.” [3] Aqui materializada na reinvenção do viver em equilíbrio connosco e com todos os seres vivos.
Continuando a citar a artista, “a peça joga com as características dos materiais que mediante a luz diurna ou a sua ausência, criam duas composições distintas e dois modos de ser fruída. Narval, tem a pele de cor cinzenta e branca, tal como o fio refletor utilizado para a elaboração do tecido que o pretende representar no seu habitat. O fio refletor quando iluminado pela luz incidente, reflete e espelha-se e a gradação de cinzentos alcança o branco em espelho-prata. O fio glow-in-the-dark, tal como o nome revela, brilha no escuro e confere e ilustra o efeito dos ligamentos das vértebras de uma coluna vertebral.”
Se a artista perpétua o dom da luz nas suas obras, é porque tem a capacidade de nos oferecer a luz duradora que emana das coisas e não a luz efémera que incide sobre as coisas. “A luz alaranjada das 9 horas, aquela impressão de intervalo, um piano longínquo insistindo nas notas agudas, seu coração batendo apressado de encontro ao calor da manhã e, atrás de tudo, feroz, ameaçador, o silêncio latejando grosso e impalpável.”[4] Que haja luz, em vez de obscuridade.
Sofia Marçal
[1] Zygmunt Bauman, in: Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, p.37.
[3] Charles Baudelaire, in: As flores do mal, A serpente que dança. A arte de Baudelaire, Marcelo Jaques, p. 41.
[4] Clarice Lispector, in: Perto do Coração Selvagem, p.41.
Inauguração da exposição: 8 junho, 18h00 às 20h00
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