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Exposição de Arte e Ciência

Data

7 Junho - 16 Julho 2023

Local

Sala Azul | Museu Nacional de História Natural e da Ciência

Exposição do artista plástico César Barrio

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O interior da pintura

A exposição A Invenção das distâncias, de César Barrio artista plástico espanhol que vive e trabalha em Madrid e Lisboa, é composta por duas pinturas de grande formato, três esculturas e três vídeos. O seu trabalho incide no atenuar das fronteiras entre o espaço, quer seja cósmico ou microscópico, essa investigação pictórica é materializada nos seus trabalhos artísticos. César Barrio é um pintor da pintura, da escultura, do vídeo, onde a cor transborda e enche-nos a alma, como o era para Cézanne, “a cor é o ponto de encontro entre o nosso cérebro e o universo.”[1]A impulsividade conceptual e a homogeneidade do seu trabalho na procura compulsiva de chegar ao interior da pintura é fascinante.

Esta exposição surge a partir da reflexão do artista sobre a convergência entre a Ciência e a Arte, entre a ideia do microcosmo e do macrocosmo e como isso afeta a nossa perceção das imagens que ocultam toda a profundidade na superfície da pintura e procuram o espaço limitado do infinito. “Por isso mesmo, a distância do microcosmo ao macrocosmo pode ser imensa, mas não é infinita; os seres que aí residem podem ser numerosos, mas afinal poderíamos contá-los; e, consequentemente, as similitudes que, pelo jogo dos signos que elas exigem, apoiam-se sempre umas nas outras, não se arriscam mais a escapar indefinidamente.”[2] O caracter temporário passa a ser a o da inquirição, mas a pintura de César Barrio essa sim, é  intemporal.

A Invenção das distâncias, o título da exposição resulta no entender a pintura, é a pintura como investigação constante. Como nos diz Gaston Bachelard, "um assunto nunca vos parecerá suficientemente trabalhado porque nunca acabaram de o sonhar.” Nesse sentido, é impossível não ficar atento ao olhar, al mirar, que é completamente mental e cultural. As coisas sensíveis funcionam com o inteligível e da relação entre o pintor e a pintura, “toda a arte é l’art pour l’art apenas na medida em que a forma estética revela dimensões da realidade interditas e reprimidas: aspetos da emancipação.”[3] Quando se fala na obra total o compromisso desaparece, muitas vezes é o compromisso connosco, aqui com a arte.

Citando o artista, “é curioso descobrir que o facto do olhar é a ferramenta do pintor, a sua obesidade em toda a história da pintura e a procura do intangível, o que não se vê, o que é uma contradição, dai a  invenção das distancias que se relaciona com a história natural, a geologia, com a ciência. Tento fazer sempre em pintura com que diferença entre o espaço exterior e interior desapareça.” César Barrio retrai-se para criar os seus trabalhos artísticos. Foucault, diz-nos que o corpo do bailarino pretende que o espaço externo e o interno do seu corpo desapareçam, é o que César Barrio também procura na sua pintura.  Continuando com o pensamento de Foucault, “A similitude torna-se então o combate de uma forma contra outra — ou melhor, de uma mesma forma separada de si pelo peso da matéria ou pela distância dos lugares.”[4]

Continuando a citar César Barrio, escreveu durante a sua primeira residência artística em Lisboa, em 2011: "Quanto mais se desce ao interior da matéria, aumentando a escala da visão, como se se abrisse um túnel ou se entrasse numa gruta, as imagens que ficam nas nossas mãos têm uma semelhança formal com as fotografias que nos são enviadas pelos satélites. Quanto mais peso ou densidade se introduz no objeto, mais leveza se produz nele. O longe e o perto confundem-se quando a matéria consciente de si mesma perde o seu brilho. Como já foi referido é o sacramento da união do macrocosmos com o microcosmo. Aparece sempre uma imagem similar, na pintura abstrata ou na escultura construtivista, não se sabe se estamos a olhar uma imagem microscópica[5]ou uma imagem de um planeta, uma imagem telescópica.

A apresentação do vídeo que se encontra projetado no final do corredor da zoologia, faz o contraponto direto à exposição de pintura e de escultura,  Estes vídeos são colaborações com o quarteto de música contemporânea Sigma Project Quartet.[6] Onde se pode ver a pintura em movimento, cada gesto é um quadro terminado. Apresenta-se no museu pela primeira vez, o vídeo Jalkin (sedimentação) com a colaboração de Ramon Lascano.

Na exposição sente-se e respira-se pintura. “É muito fácil gritar que a arte é sempre possível dentro da tradição. Mas essa frase confortável de nada serve ao artista que espera, de pincel ou caneta na mão, uma inspiração específica.”[7] As coisas sensíveis funcionam com o inteligível e da relação entre o pintor e a sua pintura.

Sofia Marçal

 

[1] Joachim Gasquet, in: O Que ele me disse, p34.

[2] Michel Foucault, In: As Palavras e as Coisas Uma arqueologia das ciências humanas, p.48

[3] Herbert Marcuse, in: A dimensão estética, p.26.

[4]Michel Foucault, ob. cit., p.37.

[5] Visitar a exposição A Exposição Abel Salazar – Paisagens Biológicas que se apresenta na Sala Branca Edmée Marques onde estão representadas imagens microscópicas obtidas a partir de preparações histológicas de Abel Salazar.

[6] O Projeto SIGMA (ou, em outras palavras, os talentos combinados de Andrés Gomis, Ángel Soria, Alberto Chaves e Josetxo Silguero) é mais do que um quarteto de saxofones. É um canal crucial para a música instrumental do século XXI. Se o quarteto de cordas foi a formação musical de câmara por excelência nos séculos passados, o Projeto SIGMA reivindica esse papel para o quarteto de saxofones no século XXI. https://sigmaproject.co/

[7] Ortega y Gasset, in: La Deshumanización del Arte, p.386.

 

Curadoria: Sofia Marçal

Inauguração: 6 junho, das 18h00 às 20h00