Professor Galopim de Carvalho, na Jazida com pegadas de dinossáurios da Pedreira do Galinha, em 1994
A ciência que estuda a geodiversidade e que dá pelo nome de geologia só se afirmou no século XVIII, em especial por obra do escocês James Hutton (1726-1797), considerado como o pai deste domínio do conhecimento.
Nos tempos da História que o antecederam, aspetos pontuais deste domínio, ainda insuficientemente estruturado, foram objeto do pensamento dos filósofos da Antiguidade e, depois, de especulações e experimentações por parte de alquimistas e naturalistas da Idade Média e do Renascimento. Mas a perceção desta realidade física que nos rodeia remonta a alguns milhões de anos, ao tempo dos nossos mais remotos antepassados pré-históricos.
Numa longa caminhada, tão velha quanto a dos primeiros hominídeos, a geodiversidade foi sendo descoberta pelos seus representantes, que aprenderam a tirar dela os proveitos que lhes permitiram sair da sua condição mais primitiva e progredir até à que nos rodeia no presente.
Alastrando a todas as latitudes, longitudes e altitudes, estas criaturas foram observando a superfície do planeta e assimilando, ainda que de forma muito embrionária, conhecimentos em domínios que hoje abordamos na ciência que surgiu muitos milénios mais tarde. Ao longo da sua evolução física e psíquica, experimentou o que pôde experimentar, deduziu o que soube deduzir, inferiu o que conseguiu inferir, transmitindo aos descendentes o saber que neste e noutros domínios foi acumulando, servindo-se para tal das linguagens de que dispunha, de início, o gesto e, mais tarde e progressivamente, a fala. Com o passar do tempo adquiriu capacidade de estabelecer relações de causa-efeito entre as rochas e os minerais que foi encontrando e os mecanismos que lhes foi dado observar no mundo que foi o seu.
Enfrentou climas tórridos e outros imensamente frios, subiu e desceu montanhas, num acumular de experiências que lhe permitiu viver e sobreviver. Presenciou a chuva e os seus efeitos como poderoso agente de erosão, desde a simples e inofensiva escorrência, às grandes enxurradas e aluimentos de terras. Assistiu a catastróficas cheias próprias das planícies aluviais dos grandes rios e suportou secas intermináveis. Andou sobre as dunas e relacionou-as com o vento. Viu a lava incandescente a brotar dos vulcões. Viu-a correr como uma torrente de fogo e imobilizar-se, depois, por arrefecimento, transformada em rocha. Sentiu a terra tremer debaixo dos pés e ouviu o som cavo e assustador dos sismos. Procurou cavernas. Conheceu o sílex e a sua característica fratura conchoidal e aprendeu a tirar partido desses conhecimentos para produzir utensílios e armas. Descobriu a argila e soube aproveitar a sua plasticidade quando misturada com a água e o seu endurecimento pelo fogo nas peças cerâmicas que criou. Conheceu os pigmentos minerais com que deu aso à sua criatividade artística, pintando-se e pintando o interior de cavernas onde se protegeu das intempéries e de alguns dos animais com que partilhou o espaço. Descobriu o betume (asfalto) e usou-o como combustível e, talvez, como fonte de iluminação.
Prospetou o ouro, a prata, os minerais de cobre, os de estanho e os de ferro, milhares de anos antes de a ciência lhes ter prestado atenção e lhes ter dado nomes. Aprendeu a explorá-los e ensaiou as metalurgias, primeiro, a do bronze, há mais de 5000 anos e, cerca de mil anos depois, a do ferro. Fez tudo isto e muito mais antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever.
Por António Galopim de Carvalho, Professor Jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e ex-Diretor do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa.