ANTROPOCÉNICO: nova Época da história da Terra?
No Dia Mundial da Terra (22 de abril), partilhamos o texto da Curadora convidada Coleções Geológicas MUHNAC, Liliana Póvoas.
ANTROPOCÉNICO: nova Época da história da Terra
Com o dealbar do século XXI um novo vocábulo logrou impor-se a nível global: Antropocénico *. A rápida integração do termo no vocabulário da comunicação social e de largos setores das populações dos vários países revela um aspecto positivo: reconhecimento e consciência do cidadão comum das profundas alterações que a humanidade está a induzir no planeta que habita. Decréscimo da biodiversidade, poluição, emissão de gases com efeito de estufa, alterações climáticas, acidificação dos oceanos, formação de ilhas de plásticos no Oceano Pacífico, degelo de icebergs e de glaciares nas montanhas, subida do nível do mar já dramaticamente sentida em algumas regiões (sobretudo insulares) são alguns dos efeitos geralmente atribuídos à ação antrópica e que se potenciam interagindo entre si.
Mas os efeitos dessa acção também se produzem ao nível da litosfera, em particular com a exploração intensa das jazidas de petróleo e de outros recursos minerais, agora sobretudo os indispensáveis à produção de energias verdes, nem sempre respeitando os exigentes requisitos da sustentabilidade e da finitude dessas reservas. Outros casos são ainda, por exemplo, assoreamentos de sistemas lagunares, baías e estuários em resultado de agricultura intensa ou, pelo contrário, diminuição de deposição de sedimentos ao longo da costa por ficarem retidos nas barragens permitindo o aumento da erosão costeira e consequente recuo da linha de costa. Todos esses processos podem conduzir a alterações significativas das geomorfologias e consequentes influências noutras componentes do sistema Terra.
Claro que a ação antrópica sobre a natureza existe sobretudo desde que o Homo sapiens começou a desmatar para desenvolver a Agricultura há cerca de 12 000 anos, claro que houve a Revolução Industrial, claro que houve guerras mundiais e até explosões nucleares mas, quando nos referimos a Antropocénico estamos a pensar na última fase da história da humanidade em que essa acção aumentou exponencialmente levando a alterações que nos sugerem a comparação com as extinções em massa ocorridas ao longo da história da Terra. E, então, quando podemos considerar que se iniciou o Antropocénico? E, afinal, do que falamos quando usamos o termo Antropocénico?
Crutzen & Stoermer no ano 2000, criaram esse termo em linha com as designações que na Tabela Cronoestratigráfica Internacional assinalam as sucessivas Épocas da Terra. A Tabela é gerida pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS), organismo da União Internacional da Ciências Geológicas (IUGS). O último Período da história da Terra, iniciado há 2,58 milhões de anos, divide-se em duas Épocas – Plistocénico e Holocénico – estando nós no momento mais recente do Holocénico. É grande a pressão para que se considere o Antropocénico como unidade formal da Tabela Cronoestratigráfica seguindo-se ao Holocénico, mas isso implica a aplicação, tal como para todas as Épocas anteriores, de certas metodologias e a reunião de uma série de critérios de índole geológica. Em particular, será fundamental localizar uma sequência sedimentar à escala internacional que, pelas características de estabilidade e abrangência, possa testemunhar esse intervalo de tempo diferente de todos os outros. E quais serão os fósseis que o caracterizam?
Hoje fala-se de “Tecnofósseis” (ou outros termos equivalentes), para designar aqueles produtos da tecnologia que, por rejeitados, vão ficar incluídos nos sedimentos que, entretanto, se vão depositando. Plásticos, vidros, cerâmicas, cimento, ligas metálicas… Mas qual a sua durabilidade no registo geológico? Será suficiente para os validar como testemunho?
Também se procura um marcador temporal que possa significar um momento de alteração drástica à escala global. O nível sedimentar com irídio que resultou do impacte de meteorito e, por toda a Terra, assinala o momento da Grande Extinção em massa de há 66 milhões de anos, leva os geólogos a procurar algo análogo. Poderá ser o início da Revolução Industrial e consequente aumento dos teores de CO2 e CH4 na atmosfera? Poderá ser a alteração de percentagem de isótopos de Carbono-14 vs Carbono-12 na atmosfera resultado da intensificação de testes de armas nucleares por volta do ano de 1950? O recuo temporal será ainda demasiado pequeno para se poder trabalhar com objetividade mantendo os critérios usados para marcar as outras divisões da Tabela?
Enquanto que a assunção do Antropocénico como unidade formal da Tabela Cronoestratigráfica representa um grande problema se se quiser manter os critérios científicos que marcaram as outras Épocas da história da Terra, do ponto de vista das humanidades o vocábulo, considerado informalmente, funciona como um agregador da vontade de mudança das atitudes para com a natureza por representar a assunção cada vez mais clara pela humanidade do seu papel como força transformadora do Planeta Terra.
*Em Português de Portugal as designações das Épocas geológicas terminam não em “ceno” mas em “ico”. Ex: Miocénico, Plistocénico, Holocénico
TABELA CRONOESTRATIGRÁFICA INTERNACIONAL - https://www.iugs.org/
Por Liliana Póvoas | Curadora convidada Coleções Geológicas MUHNAC