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Marta Lourenço e Alexandre Kellner

Coluna da Diretora | abril 2024

No dia 2 de setembro de 2018, deflagrou um pavoroso incêndio no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A notícia correu mundo, não só porque se tratava do mais antigo museu do Brasil – criado por D. João VI quando a capital do Império era ainda no Rio de Janeiro – mas também porque arderam nessa noite algumas das mais importantes coleções e arquivos brasileiros.

Tenho a certeza de que não houve museu, biblioteca ou arquivo do mundo, que não estremecesse de pavor ante a possibilidade de algo semelhante lhes acontecer. Cheias, terramotos e outros desastres naturais podem ser, evidentemente, muito prejudiciais ao património cultural.

Mas um incêndio.....

Um incêndio está numa esfera totalmente diferente de catástrofes.

Em primeiro lugar porque, a menos que seja causado por um raio, ou qualquer coisa assim, nunca tem a inevitabilidade de uma catástrofe natural. Pensamos sempre que podíamos ter evitado, ou mitigado o impacto, ou feito melhor qualquer coisa.

Em segundo lugar porque um incêndio destrói tudo, praticamente sem possibilidade de recuperação ou restauro.

Nenhum museu recupera de um incêndio porque o património que guarda é insubstituível e, num instante apenas, tudo se perde.

Talvez nenhum outro museu tenha sentido tão de perto a tragédia do Rio de Janeiro quanto nós, aqui em Lisboa, que sofremos um incêndio semelhante em março de 1978. A solidariedade com os nossos colegas do Rio de Janeiro foi imediata e não mais parou. Houve logo um grupo que nos visitou em 2019 para conversar com a Liliana Póvoas (que assistiu ao nosso incêndio e recuperou parte da coleção de geologia) sobre as metodologias do rescaldo. O Diretor Alexander Kellner visitou as universidades de Lisboa, Porto e Coimbra em Fevereiro de 2022. No nosso Museu, encontrou-se com diretores de museus portugueses. Eu própria visitei a obra de recuperação do Museu Nacional três vezes desde o incêndio.

O contacto, as trocas e o apoio têm sido permanentes: somos dois museus nacionais universitários, irmãos unidos na tragédia.

Vem isto a propósito daquela que é talvez a mais significativa iniciativa de solidariedade de Portugal com esta tragédia do Museu Nacional.

Em junho de 2022, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) assinou com as Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra (as três universidades da infraestrutura PRISC, Portuguese Research Infrastructure of Scientific Collections), um protocolo de colaboração que garante 50 bolsas de doutoramento até 2027 a estudantes de todo o mundo cujo tema de estudo esteja direta ou indiretamente ligado ao Museu Nacional do Rio de Janeiro.

A primeira leva de bolsas foi distribuída o ano passado e o segundo concurso abriu agora este mês de abril, nas áreas de bio-, geo- e paleodiversidade, estudos de coleções e museologia. Ver o link aqui.

Vai ser assim, todos os anos, até 2027. No final, 50 novos estudos vão ser realizados, que muito enriquecerão o nosso conhecimento sobre museus científicos no Brasil e em Portugal, as suas exposições e coleções, e o seu papel no presente e no futuro.

O grau de doutor é dado por uma universidade PRISC (Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra) e uma das condições é que os estudantes têm de passar um ou dois anos a estudar no Rio de Janeiro (que chatice...).

É uma iniciativa de enorme mérito do Governo português, em articulação com os museus e jardins botânicos da infraestrutura PRISC, que porventura talvez se pudesse alargar a museus da CPLP.

 

Marta Lourenço, 8 abril, 2024