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Coluna da Diretora | maio 2024

Com a inauguração da exposição ‘Arqueologias de Destruição’ na semana passada, o Museu tem agora quatro exposições dedicadas ao passado colonial português. Todas têm como ponto de partida e razão de ser as coleções coloniais herdadas pela Universidade de Lisboa em 2015 e colocadas desde então à guarda do Museu (incluindo o Jardim Botânico Tropical).

Há um trabalho enorme de bastidores que está a ser feito no Museu com as coleções coloniais (um dia destes escreverei uma coluna sobre isso), envolvendo imensa gente de dentro e de fora. As exposições são apenas a ponta do icebergue.

Estas quatro exposições são muito diferentes, mas, no seu conjunto, traduzem bem as linhas de debate público que Museu pretende continuar a explorar. Vou explicar.

A primeira exposição, ‘Plantas e Povos’ (2017) foi também a nossa primeira exposição com as coleções coloniais. Aborda uma narrativa de encontros, diálogos e trocas no âmbito da botânica e também como as plantas assumem diferentes papéis culturais, científicos, económicos e simbólicos para os europeus e para os povos que foram colonizados, particularmente em África.

A segunda exposição, ‘Impulso Fotográfico: (Des)arrumar o Arquivo Colonial’ (2022), resulta de um projeto de investigação desenvolvido a partir das coleções coloniais de fotografia das missões cartográficas e antropológicas em Africa no século XX, com particular foco no Estado Novo. É uma exposição cuja curadoria colaborativa foi muito diversa, envolvendo historiadores, antropólogos, ativistas, artistas e museólogos, a maioria externos ao Museu. Isso nota-se no resultado final: é a primeira exposição do Museu que problematiza a utilização da ciência como instrumento de domínio de territórios e de pessoas, levantando questões perturbadoras sobre o que foi feito, como foi feito e quando foi feito.

A terceira exposição, ‘Panorama do Congo’ (2024), também resulta de um projeto de investigação e explora duas dimensões importantes até agora não abordadas no Museu: a propaganda associada ao colonialismo e a sua dimensão europeia. É também uma exposição espetacular do ponto de vista da museografia.

A quarta exposição, ‘Arqueologias de Destruição’ (2024) é a mais pequena e também a mais curta. Só está aberta ao público até 2 de Junho.

No entanto, abre uma dimensão do colonialismo que queremos muito continuar a abordar, talvez a mais difícil de todas: a sensibilização do público para o legado do colonialismo que perdura no presente. A exposição apresenta os objetos ‘escavados’ por crianças e arqueólogos do Centro de Arqueologia de Almada, no bairro do Segundo Torrão, na Trafaria, exatamente no local onde há dois anos se demoliram as casas de cerca de 60 famílias. É uma exposição muito forte que, sem dar respostas, nos perturba, alerta e põe a pensar.

Em suma, a ambivalência da ciência como instrumento de conhecimento e aproximação mas também como instrumento de domínio e discriminação, a dimensão europeia e o legado do colonialismo hoje em Portugal.

Quatro exposições magníficas para ver no Museu, durante este mês (entrada gratuita aos domingos de manhã). 

 

Marta Lourenço
6 Maio 2024