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balança piezoelétrica

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Este mês destacamos a balança piezoelétrica pertencente a um conjunto de instrumentos usados por Branca Edmée Marques (1899-1986), para determinações quantitativas de radioatividade, no Laboratório de Radioquímica que a própria criou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), para dar continuidade aos trabalhos de investigação em que tinha sido iniciada no Institut du Radium, em Paris, sob a orientação de Marie Curie.

Branca Edmée Marques ingressou na FCUL em Ciências Físico-Químicas e no ano letivo 1923-1924 ainda estudante, estagiou no Laboratório de Química Analítica, no Instituto Superior Técnico, sob orientação de Charles Lepierre, onde ficou fascinada com o tema da radioatividade.

Foi nomeada 2ª assistente em Química em julho de 1924, por Aquiles Machado, ainda antes de ter concluído a licenciatura, em 1925. Foi para Paris, fez doutoramento no Laboratório Curie do Institut du Radium (1935) e regressa à FCUL retomando as suas funções como assistente.

A criação do Laboratório de Radioquímica nas instalações da FCUL resultou da proposta de Cyrillo Soares, em 1935, ao Conselho Escolar. Tendo sido aprovada, foi Branca Edmée Marques que projetou e desenvolveu este projeto com o apoio de António Pereira Forjaz, Diretor da seção de Ciências Físico-Químicas.

Em 1936 foi-lhe reconhecido o grau de Doutor em Ciências Físico-Químicas pela FCUL, tendo publicado três artigos no Journal de Chimie Physique, todos na área dos seus estudos do bário radífero.

Em atividade a partir de 1938, o Laboratório de Radioquímica, permitiu a Branca Edmée Marques e aos alunos que orientou, realizar estudos sobre o comportamento químico e físico-químico do polónio, rádio e urânio.

O MUHNAC preserva acervo do Laboratório de Radioquímica, nomeadamente uma instalação usada pela Branca Edmée Marques, para determinações quantitativas de radioatividade segundo o “método Curie”, composta pelos elementos:

1 - Eletrómetro de quadrante Curie-Debierne UL000253, com inscrição "CH. BEAUDOUIN / CONSTRUCTEUR / PARIS / Nº 131" e indicação de calibração "8,66 u.e.s. por 100g"; 

2 - Régua graduada UL000259, de zero ao centro com dispositivo de iluminação e inscrição: "CH. BEAUDOIN/ CONSTRUCTEUR/ 31, Rue LHOMOND / PARIS".

3 - Câmara de ionização UL000256;

4 - Balança piezoelétrica UL000254, com inscrição CH. BEAUDOUIN / 1 Rue Rataud / Paris".  A lâmina de quartzo piezoelétrica original do instrumento foi quebrada e a Professora Branca Edmée Marques adquiriu nova lâmina.

5 - Caixa de massas marcadas UL000255, contendo as massas: 4kg; 3kg; 2kg; 1kg; 800g; 500g; 300g; 200g; 100g; 50g; 20g; 10g; 5g; 2g; 1g;

E dois condutores UL000257 e UL000258 que não constam na figura abaixo.

Figura 1 - Instalação para determinações quantitativas de radioatividade usada por B.E.M.
Figura 1 - Instalação para determinações quantitativas de radioatividade usada por B.E.M.

O “método Curie” é um método experimental desenvolvido em 1898 por Marie e Pierre Curie, para medir quantitativamente e com exatidão a radiação do urânio e consistiu na introdução do quartzo piezoelétrico como padrão de medição.

Pierre Curie e o seu irmão Jacques desenvolveram na década de 1880 um pequeno gerador de pequenas quantidades de eletricidade conhecidas com precisão: uma fina lâmina de quartzo, habilmente cortada, fixada na parte superior do instrumento e na parte inferior da lâmina de cristal de quartzo, fixada uma placa, na qual podem ser colocadas massas marcadas. Quando uma massa é colocada (ou retirada) da placa, o quartzo é esticado (ou libertado) e gera eletricidade, antes de se estabilizar novamente. É importante notar que a carga elétrica gerada pela placa de quartzo é calculável, uma vez que depende apenas das suas dimensões geométricas e da massa marcada utilizada. Nesta medição, os dois cientistas compensavam a carga elétrica desconhecida produzida pela amostra radioativa com a carga elétrica conhecida gerada pelo quartzo. Utilizando um eletrómetro de quadrante, o método de compensação permitiu-lhes medir correntes muito baixas, da ordem dos 10-13 amperes. Estas medições de grande precisão permitiram-lhes detetar, já em 1898, a presença de quantidades ínfimas de dois novos elementos químicos radioativos, o polónio e o rádio, nos minérios de urânio.

O método Curie foi utilizado para medir a radioatividade no laboratório Curie durante várias décadas. Em 1921, o laboratório Curie do Instituto do Rádio já tinha 12 mesas de medição equipadas com este aparelho e foram utilizados numerosos cristais de quartzo piezoelétricos, pelo menos até aos anos 50.

Os aparelhos utilizados pelos Curie nas suas experiências incluíam uma câmara de ionização, um eletrómetro de quadrante e um quartzo piezoelétrico:

A câmara de ionização – Com as duas placas da câmara carregadas eletricamente, a amostra radioativa é então colocada dentro da câmara. Os raios radioativos extraem os eletrões dos átomos de ar, criando assim cargas elétricas. Neste caso, diz-se que o ar está “ionizado”. Os eletrões negativos deslocam-se para a placa positiva, criando uma corrente elétrica no interior da câmara.

O eletrómetro de quadrante - os eletrões viajam da câmara de ionização para o eletrómetro e a sua agulha interna gira suavemente no campo elétrico. Ao rodar, a agulha aciona um pequeno espelho. Um feixe de luz é enviado para um pequeno espelho, que reflete o feixe numa régua graduada. Quando a agulha roda, o espelho roda também, fazendo com que o feixe de luz se desloque ao longo da régua.

De acordo com as notas de laboratório de Marie Curie, as medições de radioatividade obtidas apenas com o eletrómetro e a câmara de ionização não eram fiáveis. Para obter medições mais precisas, Marie e Pierre acrescentaram um quarto instrumento ao seu aparelho experimental - o quartzo piezoelétrico.

Marie e Pierre Curie transmitiram a carga conhecida do quartzo ao eletrómetro e depois compararam-na com a carga produzida pela amostra radioativa que queriam medir. Este engenho permitiu-lhes obter medições exatas, apesar de as correntes envolvidas serem muito fracas:

“No início da medição, as cargas elétricas produzidas pela amostra radioativa começam a mover a pequena luz ao longo da régua.

Marie Curie levanta então delicadamente o peso posicionado sob o quartzo piezoelétrico, que emite uma carga elétrica. Esta carga irá compensar a carga oposta produzida pela amostra radioativa durante um determinado período de tempo.

O cronómetro permitiu a Marie Curie medir o período de tempo durante o qual a carga emitida pelo quartzo piezoelétrico compensava a carga produzida pela amostra radioativa. Quanto mais curto o tempo, maior a quantidade de carga e maior a radioatividade da amostra.”

Branca Edmée Marques teve o privilégio de privar e ser discípula de Marie Curie.  E de fundar o Laboratório de Radioquímica, o 1º Laboratório de Investigação na Secção de Química – que em 1953 veio a designar-se de Centro de Estudos de Radioquímica.

Figura 2 - B.E.M. no Centro de Estudos de Radioquímica, 1958
Figura 2 - B.E.M. no Centro de Estudos de Radioquímica, 1958

Merece uma referência particular o seu contributo para o desenvolvimento da investigação científica nesta área. Em 1949 realizou viagens de estudo a diversos laboratórios do Comissariat à L’Énergie Atomique e ao Institut du radium de Paris, onde colaborou em trabalhos de Química Nuclear em curso. Em 1951, em Inglaterra, visitou laboratórios de preparação de compostos radioativos e de separação de isótopos bem como a secção de radio-isótopos de um hospital londrino – pelo seu interesse nas aplicações terapêuticas dos mesmos. E apresentou uma comunicação sobre o uso do iodo-131 em diagnóstico e terapia na First Isotope Techniques Conference, em Oxford, trabalho realizado em colaboração com o médico R. Valadas Preto.

Em 1966 Branca Edmée Marques tornou-se a primeira portuguesa Catedrática de Ciências.

Branca Edmée Marques teve ainda a grande alegria e a honra de ser convidada pelo Instituto de Rádio de Paris, e a expensas do Ministério dos Negócios Estrangeiros de França, por ocasião do centésimo aniversário do nascimento de Marie Curie, para participar nas cerimónias de homenagem que se realizaram na Universidade de Paris nos dias 24 e 25 de outubro de 1967, na qualidade de antiga colaboradora de Marie Curie.

 

Bibliografia:
Heliodoro, Maria Margarida. (2012). A investigação em Química no Portugal dos anos trinta do séc. XX - o estudo de caso da Professora Doutora Branca Edmée Marques. Mestrado em Química em contexto escolar. Universidade de Évora.

Francisca Viegas, Isabel Serra, Elisa Maia, Radioactivity and Portuguese Women Scientists, Third ICESHS, Austrian Academy, Vienna, 743-747, 2008

Maria Alzira Moura Ferreira, Branca Edmée Marques (1899-1986), Uma pioneira na Ciência, Memórias de Professores Cientistas, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, 1911-2001

Musée Curie. Disponível em https://musee.curie.fr [Acedido em maio 2024]


PIEZOELECTRIC QUARTZ ELECTROMETER

This month we highlight the piezoelectric balance belonging to a set of instruments used by Branca Edmée Marques (1899-1986) for quantitative determinations of radioactivity at the Radiochemistry Laboratory she set up at the Faculty of Sciences of the University of Lisbon (FCUL) to continue the research work she had started at the Institut du Radium in Paris under the guidance of Marie Curie.

Branca Edmée Marques enrolled at FCUL in Physical Chemistry and in the academic year 1923-1924, while still a student, she did an internship at the Analytical Chemistry Laboratory at the Instituto Superior Técnico, under the guidance of Charles Lepierre, where she became fascinated with the subject of radioactivity.

She was appointed 2nd assistant in Chemistry in July 1924 by Aquiles Machado, even before she had completed her degree in 1925. She went to Paris, did her doctorate at the Curie Laboratory of the Institut du Radium (1935) and returned to FCUL to resume her duties as an assistant.

The creation of the Radiochemistry Laboratory at FCUL was the result of Cyrillo Soares' proposal to the School Council in 1935. Having been approved, it was Branca Edmée Marques who designed and developed this project with the support of António Pereira Forjaz, Director of the Physical-Chemical Sciences section.

In 1936, she was awarded a PhD in Physical-Chemical Sciences from the Faculty of Sciences, having published three articles in the Journal de Chimie Physique, all in the field of her studies of barium root.

Operating since 1938, the Radiochemistry Laboratory enabled Branca Edmée Marques and the students she supervised to carry out studies on the chemical and physicochemical behaviour of polonium, radium and uranium.

MUHNAC preserves the collection of the Radiochemistry Laboratory, namely an installation used by Branca Edmée Marques for quantitative determinations of radioactivity according to the ‘Curie method’, consisting of the elements:

1 - Curie-Debierne quadrant electrometer, UL000253, marked ‘CH. BEAUDOUIN / CONSTRUCTEUR / PARIS / Nº 131’ and calibration indication “8.66 u.e.s. per 100g”;

2 - Graduated ruler UL000259, from zero to the centre with lighting device and inscription: ‘CH. BEAUDOIN/ CONSTRUCTEUR/ 31, Rue LHOMOND / PARIS".

3 - Ionisation chamber UL000256;

4 - Piezoelectric balance UL000254, labelled CH. BEAUDOUIN / 1 Rue Rataud / Paris".  The instrument's original piezoelectric quartz blade was broken and Professor Branca Edmée Marques bought a new one.

5 - Box of masses marked UL000255, containing the masses: 4kg; 3kg; 2kg; 1kg; 800g; 500g; 300g; 200g; 100g; 50g; 20g; 10g; 5g; 2g; 1g;

And two conductors UL000257 and UL000258 which are not shown in the figure below.
 

Fig 1 - Installation for quantitative determinations of radioactivity used by B.E.M.

The ‘Curie method’ is an experimental method developed in 1898 by Marie and Pierre Curie to quantitatively and accurately measure uranium radiation and consisted of introducing piezoelectric quartz as a measurement standard.

In the 1880s, Pierre Curie and his brother Jacques developed a small generator of small amounts of precisely known electricity: a thin sheet of quartz, skilfully cut, was attached to the top of the instrument and a plate was attached to the bottom of the quartz crystal sheet, onto which marked masses could be placed. When a mass is placed on (or removed from) the plate, the quartz is stretched (or released) and generates electricity, before stabilising again. It is important to note that the electrical charge generated by the quartz plate is calculable, since it depends only on its geometric dimensions and the marked mass used. In this measurement, the two scientists compensated for the unknown electric charge produced by the radioactive sample with the known electric charge generated by the quartz. Using a quadrant electrometer, the compensation method allowed them to measure very low currents, in the order of 10-13 amperes. These high-precision measurements enabled them to detect, as early as 1898, the presence of minute quantities of two new radioactive chemical elements, polonium and radium, in uranium ores.

The Curie method was used to measure radioactivity in the Curie laboratory for several decades. In 1921, the Curie laboratory at the Radio Institute already had 12 measuring tables equipped with this apparatus and numerous piezoelectric quartz crystals were used, at least until the 50s.

The apparatus used by Curie in his experiments included an ionisation chamber, a quadrant electrometer and piezoelectric quartz:

The ionisation chamber - With the two chamber plates electrically charged, the radioactive sample is then placed inside the chamber. The radioactive rays extract electrons from the air atoms, thus creating electrical charges. In this case, the air is said to be ‘ionised’. The negative electrons move to the positive plate, creating an electric current inside the chamber.

The quadrant electrometer - the electrons travel from the ionisation chamber to the electrometer and its internal needle rotates gently in the electric field. As it rotates, the needle triggers a small mirror. A beam of light is sent to a small mirror, which reflects the beam onto a graduated ruler. When the needle rotates, so does the mirror, causing the beam of light to move along the ruler.

According to Marie Curie's laboratory notes, the radioactivity measurements obtained with the electrometer and ionisation chamber alone were unreliable. To obtain more accurate measurements, Marie and Pierre added a fourth instrument to their experimental apparatus - piezoelectric quartz.

Marie and Pierre Curie transmitted the known charge of the quartz to the electrometer and then compared it with the charge produced by the radioactive sample they wanted to measure. This device allowed them to obtain exact measurements, even though the currents involved were very weak:

"At the start of the measurement, the electric charges produced by the radioactive sample begin to move the small light along the ruler.

Marie Curie then gently lifts the weight positioned under the piezoelectric quartz, which emits an electric charge. This charge will compensate for the opposite charge produced by the radioactive sample over a certain period of time.

The chronometer allowed Marie Curie to measure the length of time during which the charge emitted by the piezoelectric quartz compensated for the charge produced by the radioactive sample. The shorter the time, the greater the amount of charge and the greater the radioactivity of the sample.

Branca Edmée Marques had the privilege of working with and being a disciple of Marie Curie.  And to found the Radiochemistry Laboratory, the first research laboratory in the Chemistry Section - which in 1953 was renamed the Centre for Radiochemistry Studies.
 

Fig 2 - B.E.M. at the centre for Radiochemistry Studies, 1958

His contribution to the development of scientific research in this area deserves special mention. In 1949 he made study trips to various laboratories of the Commissariat à L'Énergie Atomique and the Institut du radium in Paris, where he collaborated in ongoing nuclear chemistry work. In 1951, in England, he visited laboratories for the preparation of radioactive compounds and the separation of isotopes, as well as the radio-isotope section of a London hospital - due to his interest in their therapeutic applications. And he presented a paper on the use of iodine-131 in diagnosis and therapy at the First Isotope Techniques Conference in Oxford, in collaboration with the physician R. Valadas Preto.

In 1966 Branca Edmée Marques became Portugal's first female Professor of Science.

Branca Edmée Marques also had the great joy and honour of being invited by the Paris Radio Institute, and at the expense of the French Ministry of Foreign Affairs, on the occasion of the 100th anniversary of Marie Curie's birth, to take part in the tribute ceremonies held at the University of Paris on 24 and 25 October 1967, as a former collaborator of Marie Curie.

 

Texto de I Text by: Maria do Carmo Elvas | Núcleo Património e Coleções MUHNAC; Elisa Campos | Faculdade de Ciências Médicas da NOVA; Branca Moriés | Bibliotecas/Arquivo Histórico, IICT & Museus da ULisboa

Fotografia de | Photo by: Mariana Serrasqueiro | aluna EPED em estágio no MUHNAC

 

Balança piezoelétrica | piezoelectric quartz electrometer
Fabricante I Maker: CH. BEAUDOUIN / CONSTRUCTEUR / PARIS
Proveniência I Provenance: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Universidade de Lisboa, MUHNAC-UL000254

 

PROGRAMA ALARGADO

20 junho

15h00 - Branca Edmée Marques, a primeira portuguesa Catedrática de Ciências
Elisa Campos, Faculdade de Ciências Médicas da UNL
Local: Auditório Manuel Valadares | MUHNAC-ULisboa

16h00Visita dramatizada: Branca Edmée Marques
Raquel Barata, Núcleo Educativo MUHNAC

Preço: bilhete de acesso ao Museu.

Inscrições: 
geral@museus.ulisboa.pt | 213 921 808