Passar para o conteúdo principal
Crânios de Baleias Fósseis

Objeto do mês

Ligado

AS BALEIAS FÓSSEIS DA MINA DE OURO DA ADIÇA
De fósseis históricos à definição de um novo género

Três crânios fossilizados de cetáceos integram as coleções do Museu Nacional de História Natural e da Ciência há cerca de 200 anos. Foram recolhidos no início do séc. XIX durante uma exploração de ouro na arriba fóssil da Praia da Adiça, localizada entre a Fonte da Telha e a Lagoa de Albufeira, Almada, Portugal. A mina lavrava em sedimentos atribuídos à Época Miocénica com idade de cerca de 11 milhões de anos.

Onde hoje encontramos uma arriba e uma praia, naquela época e no mesmo local existia um ambiente marinho litoral, de águas pouco agitadas e pouco profundas (até 30m), com salinidade marinha típica e temperatura entre 0-20ºC, como podemos deduzir da análise dos sedimentos e da associação de fósseis de invertebrados presentes. Foi nesse ambiente que as três baleias se depositaram e fossilizaram.


PRIMEIROS ESTUDOS

A existência de crânios de cetáceos fósseis na Adiça foi reportada no início do século XIX por Wilhelm Ludwig Freiherr von Eschwege (1777-1855), também conhecido como Barão de Eschwege, então Intendente-geral de Minas e Metais do Reino. Em 1829 Eschwege demite-se do cargo. É o seu sucessor, Alexandre Vandelli, que estuda e descreve os crânios em “Additamentos ou Notas à Memoria Geognóstica, ou golpe de vista do Perfil das estratificações das differentes rochas que compõem os terrenos desde a Serra de Cintra até a de Arrábida” publicados nas Memorias da Accademia Real das Sciencias de Lisboa em 1831, completando o texto da autoria de Eschwege. Trata-se da primeira publicação portuguesa sobre vertebrados fósseis

Ao longo do século XIX vários autores publicam sobre os crânios: Van Beneden & Gervais (1871), Brandt (1873), Capellini (1901). Descrevem e nomeiam um ou mais dos exemplares. Mas é em 1941 que Arthur Remington Kellogg (especialista em cetáceos fósseis do Museu Nacional dos Estados Unidos) publica um estudo mais detalhado destes crânios no Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico (FCL). Nesse trabalho faz a revisão da classificação taxonómica e considera que cada um dos crânios é um holótipo (espécime padrão) respetivamente para cada uma das seguintes espécies: Metopocetus vandelli, Aulocetus latus, Cephalotropis nectus.


UM NOVO ESTUDO, UM NOVO GÉNERO PARA A CIÊNCIA

Em trabalho recentemente publicado (março de 2024) 1, a utilização de metodologias computacionais avançadas e a  aplicação de novas ferramentas analíticas (utilização de análises filogenéticas) a uma descrição ainda mais detalhada dos crânios, permitiu estabelecer as relações de parentesco das três baleias de acordo com a história evolutiva da família de cetáceos extintos, os Cetoterídeos.

Este novo estudo permitiu concluir que um dos exemplares deste conjunto deve continuar a ser considerado pertencente à espécie definida por R Kellogg

Cephalotropis nectus Kellogg, 1941
(Holótipo da espécie e espécie tipo do género Cephalotropis).

Mas, também, se verificou que os outros dois géneros não são válidos para aqueles exemplares que, dadas as semelhanças de algumas das suas características essenciais, devem ser considerados de um mesmo género, diferente dos já conhecidos.

Assim, foi criado um novo género, Adicetus, que inclui duas baleias fósseis da praia da Adiça. Cada um destes especímenes  representa uma espécie distinta:

Adicetus vandelli (Van Beneden, 1871) Figueiredo, Bosselaers, Póvoas e Castanhinha, 2024
(Holótipo da espécie e espécie tipo do novo género, Adicetus.)

 

Adicetus latus (Kellogg, 1941) Figueiredo, Bosselaers, Póvoas e Castanhinha, 2024
(Holótipo da espécie)

A designação Adicetus para o novo género agora descrito resulta da contração da palavra Adiça, nome da localidade onde se encontraram os crânios, e do termo latino Cetus, nome de uma constelação também conhecida por baleia ou monstro marinho.

De fósseis históricos, há cerca de 200 anos integrados nas coleções do Museu, e por várias vezes alvo de vários e sucessivos estudos e publicações ao longo desse tempo, dois dos crânios fossilizados passam agora a representar um novo género para a ciência. Foi também possível obter novas informações sobre a história evolutiva desta família de baleias extintas.

***

As coleções geológicas e paleontológicas constituem testemunhos da geodiversidade, mesmo da desaparecida, e asseguram a possibilidade de se fazerem futuras leituras à luz de novos dados que resultem do progresso das ciências e tecnologias.
As coleções de História Natural, são objeto e produto de investigação científica, são constantemente revisitadas e aumentadas.
Estas coleções constituem verdadeiros bancos de dados de onde é sempre possível retirar nova informação, antes imprevista.

 

1 Figueiredo, R., Bosselaers, M., Póvoas, L., and Castanhinha, R. 2024 “Redescription of three fossil baleen whale skulls from the Miocene of Portugal reveals new cetotheriid phylogenetic insights” in PLOS ONE

Texto de: Liliana Póvoas - Curadora convidada Coleções Geológicas MUHNAC-ULisboa
Fotografias de Fósseis de Crânios de Baleias © Rui Castanhinha e Rodrigo Figueiredo

LEGENDA

Da esquerda para a direita: Adicetus vandelli (antes/before Metopocetus vandelli ) ;  Adicetus latus (antes/before Aulocetus latus); Cephalotropis nectus

Sala da Estratigrafia Portuguesa do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Adaptada de foto de Abreu Nunes, 1958
 

THE FOSSIL WHALES OF THE ADIÇA GOLD MINE
From historical fossils to the definition of a new genus

Three fossil skulls of cetaceans are part of the Museu Nacional de História Natural e da Ciência collections for around 200 years. They were collected at the beginning of the 19th century during a gold exploration on the fossil cliff of Adiça Beach, located between Fonte da Telha and Lagoa da Albufeira (Almada, Portugal). The mine was being excavated in sediments attributed to the Miocene Epoch around 11 million years old.

Where today we find a cliff and a beach, at that time there was a coastal marine environment, with calm and shallow waters (up to 30m), typical marine salinity and a temperature of between 0-20ºC as we can deduct from sedimentological analyses and from invertebrate fossil association. It was in this environment that the 3 whales were deposited and fossilized.

 

FIRST STUDIES

The existence of fossil whales skulls at Adiça were reported at the beginning of the 19th century by Wilhelm Ludwig Freiherr von Eschwege (1777-1855), also known as Baron from Eschwege, then Intendente Geral de Minas (Minning Royal Director). ). In 1829 Eschwege resigned from his position.  His successor, Alexandre Vandelli, studies and decrived the skulls in “Additamentos ou Notas à Memoria Geognostica, ou golpe de vista do Perfil das estratificações das differentes rochas que compõem os terrenos desde a Serra de Cintra até a de Arrábida” published in the Memorias da Accademia Real das Sciencias de Lisboa in 1831, completing the text  written by Eschwege.

This is the first Portuguese publication on fossil vertebrates.

All over the XIX century several authors published on the skulls: Van Beneden & Gervais (1871), Brandt (1873), Capellini (1901). They described and even named one or more of the specimens.

But it is in 1941 that Arthur Remington Kellogg (researcher on fossil cetacean at the National Museum of the United States) published a more detailed study in the Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico (FCL). In that paper he  revised the taxonomic classification and considered that each of the skulls was an holotype (reference specimen) for: Metopocetus vandelli, Aulocetus latus, and Cephalotropis nectus.
 

A NEW STUDY, A NEW GENUS FOR SCIENCE

In a work recently published (March 2024)1 the application of advanced new digital analytical tools (namely use of phylogenetic analyses) on a more detailed description of the skulls revelaed the kinship relationships of the three whales according to the evolutionary history of the family of extinct cetaceans, the Cetotherids.

This new study allowed to conclude that one of the specimens in this set should still be considered to belong to the species as defined by Kellogg

Cephalotropis nectus Kellogg, 1941.
(Species holotype and type species of Cephalotropis genus)

 

But it was also verified that the other two genus are not valid for those specific specimens as, according with some of their essential characteristics, should be considered belonging to a new genus different from those already known.

So, a new genus was erected called Adicetus that includes two fossil whales from Adiça Beach. Each specimen represent a distinct species

Adicetus vandelli (Van Beneden, 1871) Figueiredo, Bosselaers, Póvoas e Castanhinha, 2024
(Species holotype and type species of the new genus, Adicetus)

Adicetus latus (Kellogg, 1941) Figueiredo, Bosselaers, Póvoas e Castanhinha, 2024
(Species holotype)

 

The new genus now ascribed Adicetus results from the contraction of the word Adiça, name of the place where the skulls were found, and the latin term Cetus, name of a constellation also known as whale or sea monster.

From historical fossils, being part of the Museum collections for around 200 years and having been subject of several successive studies and publications along this time, two of the skulls represent now a new genus for Science.  It was also possible to obtain new information on the evolutionary history of this family of extinct whales.

***

Geological and paleontological collections constitute testimonies of geodiversity, even that which has disappeared, and ensure the possibility of future readings in the light of new data resulting from the progress of science and technology.

This study shows that natural history collections are the object and product of scientific research, constantly revisited and expanded. 

And they constitute testable data banks from which it is always possible to draw new and previously unforeseen information.

 

1 Figueiredo, R., Bosselaers, M., Póvoas, L., and Castanhinha, R. 2024 “Redescription of three fossil baleen whale skulls from the Miocene of Portugal reveals new cetotheriid phylogenetic insights” in PLOS ONE
 

Text by: Liliana Póvoas - Curadora convidada Coleções Geológicas MUHNAC-ULisboa
Photos: Rui Castanhinha and Rodrigo Figueiredo

Adicetus vandelli (antes/before Metopocetus vandelli ) ;  Adicetus latus (antes/before Aulocetus latus); Cephalotropis nectus

Portuguese Stratigraphy Room at the National Museum of Natural History, University of Lisbon. Adapted from photo by Abreu Nunes, 1958
 

 

PROGRAMA ALARGADO

Mais informações brevemente disponíveis.