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Exposição de Arte e Ciência

Data

3 Maio - 2 Junho 2024

Local

Laboratório de Química Analítica | Museu

Exposição do artista plástico Nuno Cera 

Acid Flamingo é uma investigação artística e poética sobre a relação entre o ambiente natural/modificado e o mundo mais do que humano, que acontece no estuário do Tejo (Lisboa, Portugal) e no delta do Ebro (Catalunha, Espanha). A partir de uma expedição a dois pontos quase opostos na península ibérica, pretendo estabelecer ligações entre os ecossistemas pantanosos, entre dois tipos de biodiversidade, e ao mesmo tempo desenhar um retrato e captar uma memória da paisagem destes dois estuários neste momento de emergência climática.

Curadoria: Sofia Marçal
 

Inauguração: 2 de maio, 18h00 às 20h00
 

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Entre memórias passadas e memórias futuras

A exposição Acid Flamingo, do artista visual Nuno Cera concebida com Julia Albani é uma investigação artística numa vertente poética sobre a relação entre o ambiente natural e os seres vivos. Na exposição a apropriação metodológica do artista é a dinâmica da criação que se relaciona com o experimentalismo na ciência. “É de esperar que tão grandes inovações modifiquem toda a técnica das artes, agindo, desse modo, sobre a própria invenção, chegando talvez mesmo a modificar a própria noção de arte em termos mágicos.”[1] A criação e a materialização destes trabalhos artísticos revelam uma pesquisa que pode ocasionar outras possibilidades de investigação e de criação artística. O ponto de intersecção entre a Arte e a Ciência é a própria transformação teórica e prática da arte.

A exposição é composta pelo vídeo Acid Flamingo que tem a duração de 26’49’’ com texto de Jeff Wood, em diálogo um segundo vídeo, muito curto de 2’, onde aparece quase sempre a mesma imagem com pequenas variações. Citando o artista, “interessa-me a repetição da imagem, onde o flamingo está como que prisioneiro e sem se conseguir libertar e também a justaposição com o vídeo principal e com o texto - a voz do flamingo -, do Jeff Wood, na sua abordagem a relação atual entre sociedade e tecnologia”.

Esta voz é pontuada com frases frias e alertas por vezes em oposição à poética subjacente das imagens fílmicas, estas duas expressões que se cruzam pontualmente ao longo do filme, proporcionam uma dinâmica interpretativa muito interessante e enriquecedora. Completam a exposição três fotografias, captadas no Delta do Ebro.

O projeto foi realizado em colaboração com cientistas em Portugal e Espanha, na bacia do Tejo e no Delta do Ebro e evidencia a preocupação ambientalista de Nuno Cera, que se apoderou do território como matéria-prima para a sua execução artística. Citando o artista, "mundo mais do que humano". Os seres humanos não são os únicos seres no planeta, e que outras criaturas vivas, assim como os ecossistemas possuem um valor intrínseco. Através de uma fabula, o flamingo partilha as suas reflexões e preocupações atuais.” O artista nesta exposição não nega um sentido transcendente da arte, propõe algo que ultrapassa o poder da materialização, cuja desmesura rompe limites e se posiciona ao nível da primazia da dimensão estética. A utopia do olhar do artista.

Mesmo com uma abordagem científica a exposição Acid Flamingo, é uma exposição de arte, onde o vídeo e a fotografia são os protagonistas. Beaumont Newhall diz-nos, “em 1861 um crítico inglês, num artigo On Art·Photography, escreveu; ‘Até agora, a fotografia contentou-se principalmente em representar a Verdade. O seu horizonte não poderá ser expandido? E não pode também aspirar a delinear a Beleza? Assim, ele encorajou os fotógrafos a produzirem imagens cujo objetivo não era apenas entreter, mas instruir, purificar e enobrecer.”[2] Nesta exposição é possível estabelecer-se uma discussão sobre a relação entre o mundo social e o mundo artístico, de forma a entender qual é o papel do artista e do público na contemporaneidade.  Através da arte pode-se consciencializar o público para os problemas ambientais.

Nuno Cera faz a observação de várias formas de domínio dos seres humanos aos seres não humanos, neste caso sobre as aves, na influência dos aspetos sociais, na sua perspetiva artística como observador num ambiente urbano-natural. “De fato, a variedade de possíveis combinações de ambientes, análoga à dissolução dos corpos químicos puros num infinito número de mesclas, gera sentimentos tão diferenciados e tão complexos como os que pode suscitar qualquer outra forma de espetáculo.”[3] A variedade de imagens geradoras deste trabalho artístico é também uma forma de espetáculo dada a sua força, beleza e dramatismo.

Entre ideais, utopias, máquinas agrícolas, campos, cimento, asfalto, canais, rios, aves, flamingos…está um mundo de seres não humanos que coabitam indiferentes aos seres humanos. Entre a indiferença de uns e a indiferença de outros encontra-se a nossa indiferença. Acid Flamingo não é apenas uma sequência de imagens, de fotografias é a nossa consciencialização. “O cinema não apresenta apenas imagens, ele aproxima-as com um mundo. Por isso, bem cedo, procurou circuitos cada vez maiores que unissem uma imagem atual a imagens-lembrança, imagens-sonho, imagens- mundo.”[4] A exposição situa-se entre memórias passadas e memórias futuras.

 

Sofia Marçal

 

 

[1] Walter Benjamin, in: A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, (Paul Valéry), p.71.

[2] Beaumont Newhall, in: História da Fotografia, p.73. (Corndius J abcz Hughes. "Do An Photogl1llphy, en Amrrica/I JOMmal of PbotOgTtlphy, nova serie, vol. 111, 1861, pp. 260 a 263 y 273 a 277).

[3] Guy Debord, in: Introdução à crítica da Geografia Urbana. Publicado no # 6 de Les lévres nues. Setembro 1955. 

[4] Gilles Deleuze, in:.Cinéma 2 – L'Image-Temps, p. 87.