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Exposição de Arte e Ciência

Data

6 Maio - 4 Junho 2023

Local

Sala Azul | Museu Nacional de História Natural e da Ciência

Exposição do artista plástico Tomás Reis

 

Qual é o caminho para a construção de um planeta saudável? Como é que a arquitetura pode contribuir?

Tomás Reis, arquiteto, realiza a exposição O clima como projecto, onde exprime a preocupação pelo clima, num contexto de investigação. Ajuda-nos a refletir sobre o planeta em mudança, a deixarmos de ser passivos para sermos agentes intervenientes, esclarecidos e críticos. Na perspetiva de Latour, “o crítico não é aquele que derruba, mas aquele que reúne. O crítico não é aquele que puxa o tapete dos crentes ingénuos, mas aquele que oferece aos participantes arenas nas quais se possam reunir.”1 A ideia de que podemos estar a perder o controlo do clima, preocupa Tomás Reis, quando, no quotidiano, nem todas as pessoas encontram condições para escolher as forma de se deslocar.

A exposição é composta por onze imagens realizadas a partir de dois programas de software destintos de inteligência artificial, Midjourney e Dall.e. Um conjunto de cartas militares do Alqueva, uma carta militar intervencionada e manipulada pelo artista. Assim como, colocados numa vitrine três cadernos de esquissos, uma revista Borda d'água rasurada pelo artista, onde foram apagados os géneros alimentares de cada mês da horta, um alerta para a necessidade de se repensar o nosso relacionamento com a terra/cultura, nesta nova realidade climática.

As 10 cartas militares expostas, correspondem ao volume de água na albufeira do Alqueva. A intenção é comparar 50% do enchimento do Alqueva com os consumos diários a nível europeu. O tempo que esse volume de água daria à Europa em petróleo é aproximadamente de 3 anos, mas o nível de água nunca desceu tão baixo, mesmo em anos de seca extrema. Com a intenção clara de mostrar as quantidades de consumo que não nos são visíveis, Tomás Reis propõe novas formas de representar. Sabemos quanto o nosso carro gasta num ano? E a nossa cidade? O país, o continente e o planeta?

Há uma intenção do artista em projetar o território, como se vê na carta militar de Salvaterra de Magos. Especulativa porque nesta versão podemos pensar que a linha costeira, daqui a centenas de anos, não terá sequer luz visível, porque estará imersa no oceano. Numa visão catastrofista, trata-se de um cenário muito pior do que aquele que vai prevê a curto prazo: 10 metros de subida do nível do mar parece duplicar a pior espectativa para 2300. Há ainda outro tema subjacente, que é o dos limites dos espaços naturais e artificiais do Antropoceno, em que tantas vezes se criam paisagens descartáveis, desconsiderando o futuro a longo prazo.

Na série Dark Greenland, a Gronelândia está cada vez mais verde porque tem cada vez menos neve e gelo. E especular se a autossubsistência constrói cidades articuladas. Podemos também referir que “nas últimas décadas, o aquecimento no Ártico tem sido muito mais rápido do que no resto do mundo, um fenómeno conhecido como amplificação do Ártico.”2  A série do Tamisa, mostra o rio assoreado, o leito mais alto, como é o caso da imagem da Tower Bridge ao longe. Por exemplo, “o nível médio global do mar aumentou de 8 a 9 polegadas (21 a 24 centímetros) desde 1880”3. A ideia de decadência da sociedade posiciona-nos no centro do problema, naquele que é um desafio para todos.

A abordagem aos problemas ambientais também se pode fazer sob o ponto de vista da arquitetura e das relações de vizinhança. “Uma vez que a obstinada proximidade de estranhos é destino inegociável dos cidadãos urbanos, algum modus vivendi que torne a convivência palatável e a vida suportável precisa ser projetado, tentado e testado. A forma como agimos para satisfazer essa necessidade, contudo, é uma questão de escolha. E escolhas são feitas, dia após dia, seja por ação ou por omissão, intencionalmente ou não.”4  Tomás Reis considera que é importante implementar também uma política de convivência, que ajudará a projetar um planeta sustentável, mesmo sendo esta uma opção individual.

Continuando com o pensamento de Tomás Reis a partir de Bauman, “As invenções arquitetónicas e urbanísticas relacionadas e categorizadas por Steven Flusty são os equivalentes tecnologicamente atualizados dos fossos, torres e seteiras das muralhas que cercavam as cidades pré-modernas; em vez de defender a cidade e todos os seus habitantes do inimigo externo, são construídas para separar seus moradores. Entre as invenções categorizadas por Flusty está o ‘espaço falso’, um espaço que não pode ser alcançado porque as rotas de abordagem são tortuosas, prolongadas ou inexistentes; o ‘espaço espinhoso’ que não pode ser ocupado com conforto, já que é protegido por detalhes como irrigadores de aspersão posicionados sobre os muros e ativados para afastar vagabundos, ou bordas inclinadas para inibir o ato de sentar-se e o ‘espaço nervoso’, que não se pode utilizar sem ser observado, graças ao monitoramento ativo de patrulhas circulantes e/ou tecnologias de controle remoto que alimentam postos de segurança.”5  Tomás Reis pensa o clima enquanto consequência das ações humanas e questiona: será que existe alguma intenção por de trás das mudanças de clima, ou será tudo acidental e perdemos o controlo?

A ambiguidade de como encaramos o clima que nos rodeia, a necessidade humana com o território, com os seus recursos, leva-nos a pensar a nossa forma de vida. Há escalas e intenções que se sobrepõem, há planos e projetos incompletos, consequentes e inconsequentes na construção das cidades. “Não faz sentido dividir as cidades nessas duas categorias, (felizes ou infelizes), mas em outras duas: aquelas que continuam ao longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os desejos conseguem cancelar a cidade ou são por ela cancelados.”6 Desenhar o espaço para construir a casa ideal, planear urbanisticamente em grande escala. manifesta uma intenção de Tomás Reis mesmo que dialogue com o desconhecido. Mas a distinção entre o mundo projetado, o natural e artificial, é ambígua.

Segundo Tomás Reis, um dos assuntos mais polémicos do planeamento do território em Portugal, é existir a reservava ecológica, reserva agrícola, medidas que foram defendidas pelo arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles. Se não fosse a implementação destas medidas, estaríamos mais expostos a fenómenos climáticos extremos. Mesmo com 30 anos de esforços e algum progresso sob o Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) emissões antropogénicas de gases de efeito estufa (GEE) continuar a aumentar.”7

A imagem do convite é ambígua, a nuvem não tem uma forma muito definida e tem intencionalmente pouca definição. É quase pixealizada, é quase uma super nuvem. Um dos piores cenários do aquecimento global tem a ver com a redução de nebulosidade, com o planeta a perder nuvens. Como consequência aumento de cheias, inundações. O que representa a imagem é uma nuvem a desfazer-se em chuva.8

Pensar o clima como projeto é, pois, imaginar um novo modelo climático, com modelos sociais, territoriais, criar uma nova dinâmica territorial. “Não é somente o tempo que vacila, são os lugares, o espaço. Um local tenta substituir o outro, assumir o seu lugar.”9 Citando Tomás Reis, “Do conhecimento acumulado e das representações do espaço depende o projeto. É assim que surgem imagens de paisagens imaginadas, plausíveis. Perante estas imagens, outras perguntas se colocam: irá o projeto fazer a diferença? Será desejável usar o desenho, arquitetónico, espacial, sensorial, nas grandes transformações que o planeta atravessa? Uma certeza permanece: as imagens representam paisagens de um mundo certamente diferente, merecedor de ser redescoberto, como fizeram os primeiros exploradores.” Qual é o caminho para a construção de um planeta saudável? Como é que a arquitetura pode contribuir?

 

1 - Bruno Latour, in: Why Has Critique Run Out of Steam? p.246.
2 - The Arctic has warmed nearly four times faster than the globe since 1979. COMMUNICATIONS EARTH & ENVIRONMENT | https://doi.org/10.1038/s43247-022-00498-3. Para mais informação consultar: Global and regional sea level rise scenarios for the United States.
3 - Climate Change: Global Sea Level, https://www.climate.gov/news-features/understanding-climate/climate-change-global-sea-level
4 - Zygmunt Bauman, in: Danos Colaterais, desigualdades sociais numa era global.p.61.
5 - Zygmunt Bauman, in: Danos Colaterais, desigualdades sociais numa era global.p.63.
6 - Italo Calvino, in: As cidades invisíveis, p.18.
7 - “Mesmo sem considerar o pior caso respostas climáticas, a trajetória atual coloca o mundo em rastrear um aumento de temperatura entre
2,1 °C e 3,9 °C por 2100 (11). Se todas as contribuições determinadas nacionalmente para 2030 estão totalmente implementados, aquecimento de 2,4 °C (1,9 °C a 3,0 °C) é esperado até 2100. Cumprir todas as promessas e metas de longo prazo poderia reduzi-la para 2,1 °C (1,7 °C a 2,6 °C) (12). Até essas suposições otimistas levam a um sistema terrestre perigoso trajetórias. Temperaturas superiores a 2 °C acima valores pré-industriais não foram mantidos na Terra superfície desde antes da época do Pleistoceno (ou mais de 2,6 milhões de anos atrás) (13).” Climate Endgame: Explorando o clima catastrófico cenários de mudança. CastrophicCC_scenarios_PNAS.
8 - Além das projeções da subida do nível do mar, há estudos sobre o aquecimento extremo no Ártico, na zona das ilhas Svalbard, e sobre cenários extremos que possam ainda não ter sido estudados pela comunidade científica, como a redução da nebulosidade (imagens das nuvens).
9 - Georges Poulet, in: O espaço Proustiano, p.16.

 

mapa

Curadoria: Sofia Marçal
 

Inauguração dia 5 de maio, 18h30 às 20h00