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Exposição de Kai Bomke
A impertinencia da pertinência
O Museu Nacional de História Natural e da Ciência promove residências artísticas com os curados das coleções naturalistas e científicas do museu, no âmbito do PANC - Programa de Arte Natureza e Ciência com a intenção de aproximar a Ciência da Arte.
Como resultado prático desse programa e na sequência da residência artística de Kai Bomke no departamento de taxidermia1, com os biólogos taxidermistas Ana Campos e Pedro Andrade, o artista criou a exposição Dioramas modulares relacionada com a experiência adquirida no museu durante cinco meses em contacto direto com a biologia.
“A Terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, a sua natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço nem artificio. O mundo – artifício humano – separa a existência do homem de todo o ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos.”2
A exposição pretende apresentar diferentes habitats construídos com objetos do museu, posicionando-se entre a cidade e a natureza, através do olhar crítico e artístico de Kai Bomke. Estes habitats não são elaborados com a ideia da permanência como o diorama clássico e segundo Kai Bomke são livres para interagirem uns com os outros. “A condição de fragilidade, transitoriedade e contingência tornou-se, enquanto perdura, e talvez por um longo tempo pela frente, o habitat natural dos seres humanos. E, assim, é com essa espécie de experiência humana que a sociologia precisa travar um diálogo permanente.”3 O conceito subjacente à exposição é transversal a todos os seres vivos que habitam o nosso planeta nos seus habitats, físicos, sociais e psicológicos.
Os visitantes têm a possibilidade de observar os cenários a partir de um passadiço/plataforma de fora para dentro, onde os trabalhos artísticos que compõem os dioramas estão soltos e podem ser trocados entre si, este movimento gera uma dinâmica de impermanência. O artista pretende jogar com os módulos por detrás da barreira do passadiço. Como uma performance não óbvia, mas antes numa montagem volátil, onde os objetos serão reorganizados, trocados, retirados e acrescentados durante o processo expositivo.
É uma exposição que evolui como uma coleção, sempre incompleta, e que reflete a impossibilidade da sua conclusão pois não se trata de uma exposição convencional, mas de um processo científico, que evoca as espécies animais a partir dos objetos expostos e selecionados tal como colecionadores. Na exposição a consciência critica e por vezes irónica de Kai Bomke onde a dialética da arte colide com a sua materialidade. “A arte é parcela de uma transação dialética com a consciência, apresenta um conflito mais profundo e frustrante. O ‘espírito’ que busca a corporificação na arte choca-se com o caráter ‘material’ da própria arte. A arte é desmascarada como gratuita e a própria concretude dos instrumentos do artista (e, em particular, no caso da linguagem, sua historicidade) aparece como um ardil.”4 É a perceção da abstração, do reconhecimento mais conceptual da linguagem. Existe uma consciência forte no trabalho de Kai Bomke daquilo que são as marcas da própria materialidade, do seu próprio gesto, enquanto artista plástico, mesmo antes de serem materializadas.
A exposição remete-nos também para os Gabinetes de Curiosidades, mas de uma forma mais encenada e lúdica. A exposição foi adquirindo consistência ao longo da sua construção. Os trabalhos artísticos não estão identificos nem têm títulos tal como num Cabinet d’Amateur. Sem a preocupação lógica da colocação das peças, Kai Bomke age com liberdade sistemática e aparentemente desordenada que nos aproxima dos primeiros museus ainda gabinetes de curiosidades.
A exposição Dioramas modulares é como caminhar pelos espaços do museu de história natural dentro de um diorama através da criação artística de Kai Bomke, onde os seus gestos não perduram no tempo nem no espaço, são consciencializados e fixados na nossa memória através da materialização de cada trabalho artístico.
Sofia Marçal
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1 - Termo grego que significa dar movimento à pele. É a preparação dos animais para conservação, exibição ou estudo.
2 - Hannah Arendt, in: A condição humana, p.12.
3 - Zygmunt Bauman, In: Danos Colaterais - Desigualdades sociais numa era global, P.238
4 - Susan Sontag, in: A Vontade Radical, p.11-12.
Inauguração: 31 maio, 18h00 às 21h00