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Exposição de Arte e Ciência

Data

16 Março - 2 Junho 2024

Local

Sala Harry | Museu

Exposição do artista plástico João Marques

Uma exposição que se relaciona com dois aspetos fundamentais: o persistir, na investigação artística, de uma certa ideia de Terra, essa matéria obscura que faz nascer, e o modo como essa persistência se dá, como se fosse uma interminável procura pelo sagrado não no alto do céu, mas sim em baixo, na Terra. Tendo em conta estes dois aspetos, a exposição apresenta três partes que pedem de empréstimo o título das três partes que constituem A Divina Comédia de Dante, sendo que o próprio título da exposição é uma referência a essa obra basilar.

Curadoria: Sofia Marçal

Inauguração: 15 de março, 18h00 às 20h00

Conversa em torno da exposição: 16 maio, às 19h00. 
Mais informações aqui. 

 

CONVITE

 

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O livre arbítrio como

A exposição Divina Terra do artista visual João Marques relaciona-se essencialmente com a persistência da ideia de terra na sua investigação artística e da materialização da mesma, essa matéria obscura que faz nascer e o modo como essa persistência se dá, como se fosse uma interminável procura pelo sagrado não no alto do céu, mas sim em baixo, na Terra. A exposição é composta por duas instalações.

O antigo Laboratório de Geologia, o Laboratório dos Pirotécnicos, acolhe a primeira parte da exposição, composta por pinturas que forram as paredes da sala e intitula-se neste país sem olhos e sem boca. É uma homenagem a um poema de Ruy Belo que se chama, Portugal, Sacro-profano, lugar-onde. Analogia que João Marques faz com a exposição, ao assumir a ideia de contestação, de desilusão, de nostalgia. “Arrancadas dolorosamente ao silêncio, emergem as poucas e estéreis palavras de nossa época, como sinais de náufragos, fogos acesos entre colinas longínquas, frágeis e desesperados chamados que o espaço engole.”[1] Este trabalhar a terra, ocupa o campo plástico das obras aqui apresentadas e reflete-se no próprio processo criativo de João Marques.

Estas pinturas são feitas com terra queimada sobre placas de madeira, a terra faz de pigmento, terra recolhida nos locais por onde o incêndio passou na zona de Leiria em 2022. João Marques juntou cola e água, a terra que tem paus, bugalhos, bolotas, folhas   entre outros objetos que arderam recriando assim uma certa similitude com o desalento, e desconforto e o terror do incêndio. “Uma mensagem portadora de um intento. O estilo, as figurações explícitas da mensagem podem ser perversas, podem visar subjugar ou arruinar o recetor. Podem proclamar diretamente, como acontece em Sade, na pintura negra de Goya, na dança mortal de Artaud, a licença sombria do suicídio. Mas a sua pertinência para as questões e consequências de ordem ética só se torna com isso mais sensível.”[2] O facto de utilizar terra queimada verdadeira nas pinturas permitirá estimular outras sensações estéticas para além da visual, a olfativa e a tátil.

A intensidade deste trabalho, a pintura pela pintura, peças queimadas com o maçarico, bocados de terra, do território ardido, de um inferno feito sublime. A primeira vez que o artista utilizou esta técnica foi em 2023, foram apenas experiências, numa perspetiva da exposição como forma de investigação. Estas pinturas, site-specific, foram feitas propositadamente para o espaço da exposição.

João Marques é influenciado pela obra do artista italiano Giuseppe Penone, principalmente no seu trabalho Respirare l´ombra, apresentado em 1999 - 2000, no Centro George Pompidou, em Paris. instalação de folhas que se encontravam dentro de estruturas metálicas que também forravam as paredes.

Outra das referências de João Marques é o pintor e escultor alemão o Anselm Kiefer, como é o exemplo da sua exposição em Veneza na altura da Bienal de 2022, instalação de pinturas site-specific, no Palácio Ducal de Veneza.[3]

“Às vezes acontece que há uma convergência entre os momentos passados e presentes e, à medida que eles se juntam, experimentamos algo dessa quietude no oco de uma onda prestes a quebrar. Originados no passado, mas pertencentes no fundo a algo mais que o passado, tais momentos pertencem tanto ao presente quanto ao passado, e o que eles geram é da maior importância”[4]

Como complemento à exposição e com a intenção de se cruzar a arte com a ciência e dar visibilidade às coleções científicas do museu, encontram-se dentro da hotte, alguns objetos da Coleção de Geologia.  Fósseis resultantes do incêndio que o museu sofreu em 1978, fazendo também o paralelismo com o incêndio de 2022 no concelho de Alvaiázere.

A ideia de travessia, de viagem, de passagem, no seu significado físico e espiritual, está presente nesta exposição.  Esta é-nos dada pelo corredor que integra a outra instalação. A instalação poderia ser, é esse corredor intensamente escuro e que leva a uma caixa de luz, onde se encontra, por fim, uma pequena gravura sobre papel. E a subtil fragilidade desse objeto artístico impõe-se como expectativa de um futuro incerto e não determinado, mas talvez de esperança. “Esse lugar do mundo onde se acredita que viveu a sua dor passada, aquela pretensa dor, apaga-se pouco a pouco de sua memória na sua materialidade”.[5]Esse lugar que se encontra em aberto que o nosso livre arbítrio o dispõe imaginativamente, corporalmente e temporalmente.

Para João Marques esta experiência pessoal é evidenciada pela forma como se relacionam no trabalho desenvolvido, plástico e teórico, os problemas e as questões sobre a terra, o território, o meio natural e a sua relação com o homem. Ainda assim, ao fazê-lo o mundo natural entra em contacto com o cultural, criando uma relação simbiótica entre corpo (humano) e matéria. “O pensamento da imaginação, esse, escolhe também sempre entre duas coisas (pensamento 0/1), mas pode escolher entre duas coisas possíveis (imitando a razão) ou entre uma coisa possível e uma coisa impossível (…) ou então, terceira alternativa: a oposição pode ser entre duas impossíveis.”[6]

Sofia Marçal

 

[1] Natalia Ginzburg in: As pequenas virtudes p. 70.

[2] George Steiner, in: Presenças Reais, p.134.

[3]A exposição intitula-se, Anselm Kiefer Questi scritti, quando verranno bruciati, daranno finalmente un po’ di luce (Andrea Emo).

[4] Anselm Kiefer, referente à exposição citada.

[5] Marguerite Duras, in: O deslumbramento, p.31.

[6] Atlas do corpo e da imaginação.  Teoria, fragmentos e imagens de Gonçalo M. Tavares p.394.