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Exposição dos artistas plásticos António Choon e Eléonor Silva
A exposição surge na urgência de se registar o antes e o depois dos incêndios de Palmela e Pedrogão o Grande. 2 séries; Palmela e Pedrogão Grande, constituídas por 20 peças produzidas com material geológico e vegetal encontrado, recolhido e aplicado in situ vivo. Cores que resistem e se escondem no preto do carvão do pó da terra ao pigmento extraído da encáustica natural à cinza caída e varrida os restos do que quase não sobrou.
Curadoria: Sofia Marçal
Inauguração: 15 de março, 18h00 às 20h00
Conversa: 29 abril, 18h30
Mais informações aqui.
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O silêncio dos despojos do fogo
A Exposição Fogo à peça é composta por duas séries de 16 pinturas, Palmela e Pedrógão Grande de António Choon e um vídeo e fotografias de Eléonor Silva.
Este projeto surge no cruzamento de vários interesses do artista, a floresta e a sua defesa, assim como a paixão pela arte no seu contacto direto com a Natureza. A exposição vem na sequência dos dois incêndios e na urgência do artista registar o que ficou depois da paisagem arder.
Segundo António Choon as pinturas passam todas pelo mesmo ritual na sua execução. O artista começa por colocar sobre o papel, vários tipos de terra que previamente foi recolhida por ele, tanto em Palmela como em Pedrógão Grande para fazer a base do desenho. Depois introduz água e pigmentos vivos com cores de plantas que contêm água e queima paus para fazer carbono ativo que utiliza para pintar. Junta madeira queimada encontrada como despojo e outros materiais orgânicos, criando uma encáustica vegetal. Por último, coloca diferentes camadas de cinzas laranja e branca de Palmela e cinza mais negra de Pedrógão e assim se completa este ciclo. “E não havia nada que o potencial humano para a destruição criativa não pudesse varrer do caminho, refazer e reconstruir, ou exorcizar ab nihilo.”[1] Existe uma ação que é repetida por António Choon, mas nós não a vemos, nem existe como ação, o artista procura, de pintura em pintura a Natureza perdida, ardida.
Com a passagem do tempo, esta quarta dimensão, joga com os pigmentos naturais e faz com que as pinturas se vão modificando e as suas cores se vão alterando, por exemplo, alguns roxos ficaram verdes. É muito interessante ver a evolução das cores, como quadros vivos, faz parte da intenção do artista esta mutação constante. Nós temos vontade de ver estas cores, estes pigmentos, esta vida que permanecesse assim, mas tudo o resto acaba por encobrir e deixar para segundo plano.
A jornada de ir aos sítios e ver o que aconteceu, acompanhar a recolha dos frutos, das folhas, das madeiras apanhar as tintas para fazer as pinturas, esta metodologia faz parte do processo criativo de Eléonor Silva expresso no vídeo e na série de fotografias aqui apresentados. “A brisa da manhã ainda revolve as cinzas restantes das fogueiras nas quais, na véspera, foram queimados os hereges.”[2] Hereges estes que são os despojos vegetais dos incêndios. António Choon e a Eléonor Silva depararam-se com a mudança da moldura florestal, muitas cores que resistem e se escondem no preto do carvão do pó da terra ao pigmento extraído da encáustica natural à cinza caída e varrida, os restos do que quase não sobrou.
Citando o artista, “Esta expressão pictórica é mais pura, deixando o figurativismo, senti que era um cruzamento honesto que queria partilhar.” O caminhar artístico de António Choon ficou registado no vídeo e nas fotografias, a sua apropriação da natureza onde o devaneio enriquece a sua sensibilidade ao se defrontar no espaço com o tempo da criação artística. Como estado de espírito, é a produção das coisas simples, onde nada é imprescindível a favor de uma preservação artística de forma interdisciplinar, extensiva à vida quotidiana com o intuito de implantar uma transformação social, onde a arte está ligada à vida e a suporta.
No armário da sala encontra-se material botânico, folhas … recolhido pelo António Choon no Jardim Botânico, como continuação do método de trabalho dos artistas e pretende também fazer a ligação da exposição às Coleções vivas do museu.
Assim, todos os lugares se transformam num único lugar, unidos pela mesma tragédia, o fogo. António Choon e Eléonor Silva conseguem preservar um lugar vazio enquanto silêncio intransponível, enquanto limite, numa exposição de arte. “No mundo alienado em que vivemos, a realidade social deve ser apresentada de uma maneira atrativa, sob uma nova luz, que revele a ‘alienação’ do tema e das personagens. A obra de arte deve cativar o público não através de uma identificação passiva, mas de um apelo à razão que obrigue à ação e decisão.”[3] Estas pinturas, estas fotografias este vídeo, são também o testemunho e o lugar possível de se proteger a memória e contribuir assim para a preservação da Natureza como um bem universal.
Sofia Marçal
[1] Zygmunt Bauman, in: Danos Colaterais. Desigualdades sociais numa era global, p.44.
[2] Frédéric Gros, in: Desobedecer, p. 12.
[3] Ernst Fischer, in: A necessidade da arte, p.13.
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Silence of the Fire Remains
Fogo à Peça Exhibition consists of two series of 16 paintings, Palmela and Pedrógão Grande by António Choon, along with a video and photographs by Eléonor Silva.
This project emerges at the intersection of various interests of the artist: the forest and its defense, as well as a passion for art in direct contact with nature. The exhibition follows the two fires and the artist's urgency to record what remained after the landscape burned.
According to António Choon, all the paintings go through the same ritual in their execution. The artist begins by laying various types of earth collected by him, both in Palmela and Pedrógão Grande, as the basis for the drawing. He then introduces water and vibrant pigments with colors from plants that contain water, and burns sticks to create activated carbon used for painting. He combines burnt wood found as remains and other organic materials, creating a vegetal encaustic. Finally, he layers different shades of orange and white ashes from Palmela and darker grey ash from Pedrógão, completing this cycle. "And there was nothing that human potential for creative destruction could not sweep from the path, rebuild, reconstruct, or exorcise ab nihilo."[1] There is an action repeated by António Choon, but we do not see it, nor does it exist as an action; the artist seeks, from painting to painting, the lost, burnt nature.
Over time, this fourth dimension plays with the natural pigments, causing the paintings to change and their colors to alter; for example, some purples turned green. It is very interesting to see the evolution of colors, like living paintings; this constant mutation is part of the artist's intention. We long to see these colors, these pigments, this life that would remain so, but everything else eventually obscures and relegates it to the background.
The journey of going to the sites and seeing what happened, accompanying the collection of fruits, leaves, woods, gathering the paints to make the paintings—this methodology is part of Eléonor Silva's creative process, expressed in the presented video and series of photographs. "The morning breeze still stirs the remaining ashes of the bonfires in which, the day before,
the heretics were burned."[2] These heretics are the vegetal remains of the fires. António Choon and Eléonor Silva encountered the change in the forest framework, many colors
resisting and hiding in the black of charcoal, the dust of the earth, the pigment extracted from the natural encaustic to the fallen and swept ash—the remnants of what almost did not survive.
Quoting the artist, "This pictorial expression is purer, leaving behind figurativism, I felt it was an honest intersection I wanted to share." António Choon's artistic journey is documented in the video and photographs, his appropriation of nature where reverie enriches his sensitivity when confronted in space with the time of artistic creation. As a state of mind, it is the production of simple things, where nothing is indispensable in favor of an artistic preservation in an interdisciplinary manner, extending to everyday life with the aim of instilling a social transformation, where art is connected to life and supports it.
In the living room cabinet lies botanical material, leaves... collected by António Choon in the Botanical Garden, as a continuation of the artists' working method and also aiming to connect the exhibition to the museum's living collections.
Thus, all places transform into a single place, united by the same tragedy, the fire. António Choon and Eléonor Silva manage to preserve an empty place as an impassable silence, as a limit, in an art exhibition. "In the alienated world we live in, social reality must be presented in an attractive way, under a new light, revealing the 'alienation' of the theme and characters. Artwork should captivate the audience not through passive identification but through an appeal to reason that demands action and decision."[3] These paintings, these photographs, this video, are also a testimony and a possible place to protect memory and thus contribute to the preservation of nature as a universal good.
Sofia Marçal
[1] Zygmunt Bauman, in: Collateral Damage: Social Inequalities in a Global Age, p.44.
[2] Frédéric Gros, in: Disobey!: A Philosophy of Resistance, p.12.
[3] Ernst Fischer, in: The Necessity of Art, p.13.