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Exposição do artista plástico Rui Matos
A conversão do instrumento científico
A Exposição Laboratório do escultor Rui Matos foi idealizada a pensar nesta sala, antigo Laboratório de Química Analítica e como nos diz o artista, “a ideia da exposição passou por voltar a tornar o laboratório operacional, reequipar os armários, as bancadas, as estantes e a hotte para criar a sensação de que está de novo a funcionar.” Esta sala branca e asséptica cheia de referências, memórias e história, onde ainda se encontram os vestígios de antigas experiências laboratoriais, em contraponto com o ferro, matéria pesada e escura, serviu de inspiração a Rui Matos. “Para se ser artista, é necessário colher, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A emoção, para um artista, não é tudo; ele precisa também conhecer o seu ofício e amá-lo, precisa conhecer as regras, técnicas, formas e convenções pelas quais a natureza – essa megera – pode ser dominada e submetida às leis da arte.”[1]
A exposição é composta por esculturas em ferro dispostas nas bancadas, nos armários, na hotte e no chão da sala, que pretendem aproximar-se de objetos laboratoriais, instrumentos de ciência. Para Rui Matos as suas esculturas foram sempre objetos operacionais e aqui reforçadas dentro deste laboratório de ideias. Citando o artista, “enquanto a ciência é de causa-efeito, na arte, na escultura, além de causa-efeito, acrescenta-se a subjetividade.” É a sua mais-valia, o seu valor emocional.
A maioria destas esculturas não têm títulos como nos explica Rui Matos, “por vezes estabeleço limites e crio um campo de atuação. Durante o processo de trabalho surge uma palavra ou uma frase que se cola à escultura. Não são verdadeiramente títulos explicativos, são indícios que estabelecem novas ligações. Outras vezes a escultura nunca ganha um nome e exibe um maravilhoso ‘sem título’ como alguns índios do Brasil que não dizem o seu nome próprio por ser demasiado íntimo para ser revelado a um forasteiro.” A importância e a simplicidade de ser anónimo “A um só tempo abstrato na sua generalidade, mas no cerne concreto das decisões de cada um está o reino do ‘a gente’, anónimo e pregnante.”[2]
Há peças que têm frases incorporadas, como é o caso da peça O tubo de ensaio, com a frase de André Breton, Aquário para um peixe diluído.[3] Ainda nesta bancada estão dispostas um conjunto de caixas de petri que são usadas para o crescimento e isolamento de micro-organismos e recebem micro frases, como por exemplo: Rigor na acção intuitiva ou Re-presentar é apresentar de novo. A instalação My favourite things, apresentada em frente da Hotte que contem três esculturas brancas. Nas bancadas das janelas estão colocadas a escultura “Nesta casa apenas sobrevive a memória turva dos poemas amados,”[4] maquete de uma escultura que ainda não foi exposta e a escultura Nefertiti. A mais bela chegou. E assim, a exposição pode ser observada, lida e sentida a dois níveis: um escultórico o outro com as frases irónicas colocadas ao lado das peças escultóricas.
Citando o Rui Matos, “algumas peças só têm pleno significado na relação que estabelecem com as outras que lhe estão próximas. Criam assim uma sequência de leitura. O lugar. A escultura sofre sempre uma violenta interação com o sítio em que se encontra. Por vezes acontece que a mesma escultura muda de nome quando muda de lugar.” Podemos fazer um paralelismo com o escultor romeno Constantin Brancusi que considerou de importância crucial a relação entre as esculturas e o espaço que ocupavam. Na década de 1910, ao estabelecer esculturas numa estreita relação espacial, criou novas obras dentro do estúdio, que chamou de ‘grupos móveis’. Nos anos 20, o estúdio tornou-se um espaço de exibição de seu trabalho e uma obra de arte por si só, um corpo constituído por células que se geravam. No final da sua vida, Brancusi parou de criar esculturas e concentrou-se apenas no seu relacionamento dentro do estúdio. Essa proximidade tornou-se tão fundamental que o artista não quis mais expor e, quando vendia uma obra, substituiu-a por uma cópia de gesso para não destruir a unidade do grupo.[5]
Desde que Rui Matos começou a usar o ferro como material de trabalho a sua escultura deixou de ser pensada como volume e massa, para ser pensada como superfície e desenho no espaço tridimensional. Citando Rui Matos, “a escultura é sobre a relação ideia-matéria. Se as ideias condicionam a matéria, a matéria abre possibilidades na concretização das ideias. Interessam-me as relações que estabelecemos com os objetos que criamos, principalmente os mais simples e ancestrais que implicavam uma relação direta com a mão, o corpo e o gesto. Corto, desmonto, deformo, altero, para depois juntar e começar a construir. Conceptualmente disseco e desmonto o que apreendi e com diferentes fragmentos construo um novo ser.”
Muitas destas esculturas são desenhos no espaço, dada a sua aparência leve e à forma poética como Rui Matos as concebeu. “No entanto, mesmo se essa representação exteriorista manifesta apenas uma arte de desenho, um talento de representação, não deixa de se fazer insistente, convidativa, e o julgamento do bem que nos proporcionou, do bem que nos fez, ganha continuidade na contemplação e no devaneio, o devaneio volta a habitar o desenho exato.”[6] Rui Matos, destabiliza, destrutura e reorganizar a matéria e cria as suas esculturas.
Sofia Marçal
[1] Ernst Fischer, In: A Necessidade da Arte. p. 12.
[2]Frédéric Gros, in: Desobedecer, p.51.
[3] Do poema Peixe solúvel publicado no livro de poemas ’automáticos’.
[4] Al Berto, In: Horto de incêndio.
[5] informação retirada do site do Centro Georges Pompidou.
[6] Gaston Bachelard, in: A Poética do espaço, p.229.
Curadoria: Sofia Marçal
Inauguração: 9 novembro, 18h00 às 20h00
Mais sobre o artista aqui.
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