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Exposição do artista plástico Hugo Bernardo
A emersão do espelho
Quando entramos na exposição Mirror Maze recuamos no tempo e no espaço, sentimos a atmosfera de Méliès. Metamorfose criada por Hugo Bernardo do Laboratório de Química Analítica, branco e asséptico, agora composto por variadíssimos objetos que o artista tem vindo a criar ao longo do seu percurso artístico, onde também se encontra o resgatar do olhar e da pausa refletida pela duplicação das imagens, como um labirinto de espelhos.
A Mise en scène de Hugo Bernardo aproxima-se do primórdio do cinema, recuamos até Méliès e às encenações que fazia para os seus filmes a lembrar os quadros vivos, género de divertimento social no século XIX. Essa criação de uma realidade, pode ou não ser a partir de um quadro pictórico. Pode-se expandir este conceito para a exposição, agora apropriado pelo Hugo Bernardo com os seus trabalhos artísticos, da passagem do quadro estático para o quadro em movimento a enfatizar a transição para o lúdico Mundo democrático contemporâneo. Conceito também apropriado pela história natural na construção dos dioramas. Na exposição Mirror Maze não há uma narrativa linear, há histórias que se cruzam em imagens em movimento.
Para Hugo Bernardo, o título da exposição, labirinto de espelhos é uma metáfora da relação com o nosso crescimento, conflito pacifico connosco. Ao mesmo tempo que está agregada a uma ideia de alguém que pensa, que sente, que tem individualidade dentro de si, assim como a arte, onde se podem adulterar e criar arquivos de memórias e fazer a ligação do passado com a contemporaneidade.
É óbvia a ligação da exposição com a sala dos espelhos da feira popular, a paródia, a brincadeira de quem se vê e se deslumbra e se deixa levar pelo lado mágico. As imagens distorcidas, a sua representação iconográfica como é que elas migram, se alteram, se misturam e entram num jogo de osmose. Na exposição o reflexo está em oposição à tendência de cegueira coletiva. O olhar o outro, o olhar-se a si próprio e ver o outro, olhar o outro e ver-se a si próprio, estes jogos de (in)consciência onde “por vezes é difícil separar a adoração do ser amado da auto-adoração. Pode-se observar um traço de um ego expansivo e no entanto inseguro, desesperado por confirmar seus méritos incertos por meio de seu reflexo no espelho, ou, melhor ainda, num retrato lisonjeiro, cuidadosamente retocado.”1 Através da criação de uma dinâmica caleidoscópica no exercício da observação, no exato momento onde o olhar refletido se torna consciente e criador.
Três pinturas, dão o mote à exposição e estão posicionadas cirurgicamente. Uma porta convencional instalada sobre um estirador, uma chapa de metal polida espelhada suspensa e uma tela que se encontra encostada à parede do fundo da sala. Para o Hugo Bernardo são taumaturgias, estão relacionadas com a magia, tensão entre imagens, feitiço, como se a arte fosse uma coisa mágica, onírica, de dimensão poética de sonho. “Para Baudelaire, o destino poético do homem é o ser do espelho da imensidão, ou, mais exatamente ainda, a imensidão vem tomar consciência dela mesma no homem. Para Baudelaire, o homem é um vasto sonho.”2 Na hotte jaz o aparato da totalidade de uma ótica diversa, a refração espectral da lente nesse globo espelhado que reverbera.
Os trabalhos aqui apresentados permitem várias formas de pensar a Arte. O espectador é levado a refletir os conceitos de íntimo e social, público e privado, natural e artificial, pessoal e impessoal, assim como a interagir sobre a relação entre as obras e o espaço. “O espetador também age como o aluno ou o cientista. Observa, seleciona, compara, interpreta. Liga o que vê com muitas outras coisas que viu noutros espaços científicos e noutro género de lugares. Compõem o seu próprio poema com os elementos do poema que tem à sua frente.”3 No limite Hugo Bernardo coloca o espectador como continuador das suas obras, resultando no encontro e na expansão expositiva, através das várias superfícies espelhadas, num modelo de construção, de harmonia e de aproximação.
Sentimos o cinema nas pinturas expostas, ídolos colocados como calquitos, decalques das lembranças oníricas da nossa infância. Como figuras recortadas e retiradas de um contexto para outro lugar e colocadas sem a preocupação de as interligar. Este método está relacionado com o trabalho do Hugo Bernardo desde 2012 e com a monotipia uma técnica de impressão que simplifica e sintetiza intencionalmente os seus trabalhos.
Na exposição estamos perante trabalhos onde há permanentes contágios, de indefinição de fronteiras, onde a exposição cruza a pintura com a arte espelhada, refletida e em movimento. Onde nos espelhos se reproduzem as silhuetas dos visitantes que são transformados em imagem que se assemelham à pintura expressionista de explosões de cor.
“Bateu duas ou três vezes, em seguida ouviu-se um ruído de alguém que se movia lá dentro e, após um bocado, uma pálida luz surgiu através do vidro, aproximando-se lentamente, como se a pessoa que a segurava tivesse de abrir caminho por entre uma grande quantidade de objetos espalhados, e assim compreendi que tipo de pessoa era quem avançava e qual o tipo de lugar por onde avançava.”4
Sofia Marçal
1 - Zygmunt Bauman, In: Amor Líquido sobre a fragilidade dos laços humanos, p. 26.
2 - Gaston Bachelard, in: A Poética do Espaço, p. 324.
3 - Jacques Rancière, in: O espectador emancipado, p.22.
4 - Charles Dickens, in: A loja de Antiguidades, p.6.
Inauguração: 1 junho, 14h00 às 17h00