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Exposição de Arte e Ciência

Data

7 - 30 Junho 2024

Local

Laboratório de Química Analítica | Museu

Exposição da artista plástica Margarida Lagarto 

A exposição vem no seguimento de outros trabalhos anteriores, na evocação da fragilidade e da memória. Compõe-se de vários desenhos bordados em tecidos de algodão, sobras de antigos trabalhos de costura, tecidos esses, que vêm da primeira década do século XX, e um desenho em papel, de 1,50cm x 1,20cm, em carvão e aguarela. Feitos a partir de uma erva e algumas pedras xistosas, recolhidas no Barrieiro (Parque da Serra de S. Mamede).

Curadoria: Sofia Marçal

***

A fragilidade na sua persistência

A Exposição Uma erva e 20 pedras bordadas de Margarida Lagarto vem na continuação do seu trabalho na evocação da fragilidade e da memória. A artista captou o espírito do lugar e o seu trabalho carrega o conceito do espaço e do tempo. “Renascer depois, guardar a memória estranha do intervalo, sem saber como misturá-lo à vida. Carregar para sempre o pequeno ponto vazio — deslumbrado e virgem, demasiado fugaz para se deixar desvendar.”[1]Os trabalhos não ficam presos à sua dimensão, há uma nítida dilatação do espaço onde a obra encontra a memória. Citando a artista, “nasci numa terra muito pequena, no meio do campo no Alentejo onde vivi até aos sete anos, fui aprendendo o que as ervas queriam dizer, quer fossem medicinais ou não, são muito bonitas e fazem parte do meu universo.”

Na articulação do caminhar, do recolher, de criar, Margarida Lagarto não procura apenas a estética pura, mas sim encontrar o seu caminho artístico no seu fazer pragmático e incorpora a estética naturalmente no seu trabalho. “Parecia-lhe também que o fato estético não pode prescindir de certo elemento de assombro e que assombrar-se de memória é difícil.”[2] Aqui, no Laboratório de Química Analítica, a memória é uma constante.

A exposição é composta por desenhos, uns a carvão outros de ervas, pedras e bordados. Na hotte está instalado o desenho Polygonum aviculare, e citando Margarida Lagarto, “depois de colher esta erva, no atelier coloque-a numa antiga tina de zinco de uma tia--bisavó, aí ficou mais de um ano, e assim ganhou esta forma.” Existe um diálogo em harmonia constante entre o que Margarida Lagarto faz, e o que idealiza, pensa e sonha, onde a execução e a reflexão não são dissociáveis.

Na bancada e nos armários estão instalados os outros trabalhos de desenho vegetal, como nos diz a artista, “num dos passeios que faço com o meu cão vi uns montes de gravilha que iriam fazer parte de um arruamento, quando eu olho e vejo, estas ervas, estas belezas como se fossem rendas, e eu como sou recolectora, apanhei-as.” O sentido do lugar que o fazer dá ao sentido do lugar.

Sobre as bancadas e dentro de vitrines estão as pedras e os bordados. As pedras foram apanhadas na Serra de São Mamede, uma zona de xisto, “ao fim de três dias de uma chuva intensa as pedras soltaram-se e rolaram encosta a baixo.” Os bordados foram desenhados sobre pano de algodão, “hoje finalmente estou no tempo de fazer bordados, na minha geração as meninas aprendiam a bordar e estava-nos vedado irmos brincar para o campo e assim aprendi a bordar. Há pouco tempo vendeu-se a última casa de família, onde estavam imensos baús com quase 200 anos, onde eu vi rolos de tecidos. Levei-os para casa, tratei-os e fiz estes desenhos bordados.” A exposição coloca-nos perante situações de permanentes contágios, Margarida Lagarto tem consistência do tempo real e irreal, a presença física dum espaço que muitas vezes espelha a transformação desse espaço durante o seu processo de criação artística.

Os dois desenhos pendurados na parede a carvão evocam as pinturas antigas, “voltando à minha instrução académica, sempre gostei muito das predelas dos quadros antigos que contam a histórias que fazem parte do tema central. Decidi fazer as predelas da minha erva.” Outros dois desenhos desenhados a carvão feito em casa e aguarela, também colocados na parede completam a exposição.

A leveza e a fragilidade dos trabalhos apresentados revelam-se na sua autenticidade. “Na arte só é feio aquilo que não tem caráter, ou seja, aquilo que não revela nenhuma verdade interna ou externa. Na arte, o que é feio é o que é falso, o que é artificial, o que finge ser bonito ou belo em vez de ser expressivo, o que é trivial e precioso, o que sorri sem motivo, o que é amaneirado sem razão, tudo o que carece de alma e veracidade, tudo que é apenas aparência de beleza ou graça, tudo que mente.”[3] A verdade explicita na concepção desta exposição advém da sua desconstrução, estes trabalhos têm haver essencialmente com a perceção, Margarida Lagarto procura na absorção do espaço exterior a interiorização critica, o caracter, a essência do seu trabalho.

Citando a artista, “agora vivendo às portas da cidade e sabendo que as hortas que estavam encostadas à muralha tiveram uma vida rural extraordinária, mas foram destruídas e construídos bairros residenciais. É maravilhoso como estas ervas resistiram às obras, multiplicaram-se e polvorizaram. Hoje existe uma rua e prédios, mas no sítio onde as apanhei, está repleto de ervas, nascem em cada fresta das pedras.” A permanência é uma constante da exposição, permanência que se revela e que nos transmite a fragilidade e a multiplicação na persistência.

A organicidade e a leveza da exposição na sua expressão mais poética enaltece a importância do princípio eterno e não a forma constante, “a árvore vista pode ser suficientemente real para a sensação da visão, da mesma forma que a árvore sonhada é suficientemente real para o sonhador enquanto dura o sonho, mas nem uma nem outra pode vir a ser uma árvore real.”[4]Margarida Lagarto proporciona-nos estados de prazer espirituais genuínos e ingénuos e como nos diz, “na minha infância tive a oportunidade de brincar com as ervas, brincar com as pedras, andava campo fora…” A Polygonum aviculare, é a erva vivida é a erva sonhada.

Sofia Marçal

 

[1] Clarice Lispector, in: Perto do Coração Selvagem, p.79.

[2] Jorge Luis Borges, in: Ficções, p.34.

[3] Auguste Rodin, in: Natureza e beleza, palavras escritas, p.36.

[4] Hannah Arendt, in: A condição Humana, p.293-4.
 

 

Inauguração: 6 de junho, 18h00 às 20h00

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