Objeto do mês
A ponta de Quinfangondo é uma peça única resultante de um achado fortuito no município do Cacuaco em Angola, atualmente um distrito urbano, localizado a 30km da capital, Luanda, nas margens do rio Bengo.
De acordo com a nota manuscrita que acompanha a peça, o achado foi recolhido pelo Tenente-Coronel Teixeira de Moraes na “Localidade Quifangondo. Furna descoberta pela abertura da trincheira do caminho de ferro próximo d’esta villa. N3=Encontrada na posição vertical entre barros e gessos à altura de 4 metros sobre o leito da via.” Como achado isolado, e na ausência de mais informação sobre o local não nos é possível reconstituir o contexto e proveniência exata. Ainda assim, a análise da superfície do artefacto, apresentando uma patine típica de peças expostas ao meio durante longo período, sugere que a ponta esteve à superfície durante algum tempo até ser depositada na fenda, provavelmente por transporte fluvial em episódio de inundação do rio Bengo.
A peça tem 26 cm de comprimento e 570 gr de peso, sendo fabricada com recurso a um bloco de argilito silicificado, embora inicialmente descrita como uma “lança de sílex”. O bloco foi afeiçoado bifacialmente (nos dois lados), com a remoção de pequenas lascas, utilizando um método convergente de debitagem ao longo do eixo tecnológico e posterior adelgaçamento com talhe por pressão. Daí resultou a definição de uma morfologia lanceolada, com uma secção trapezoidal, gumes cortantes e uma ponta aguçada. As características morfológicas da peça aproximam-na das pontas Lupembenses, artefactos com uma distribuição restrita às florestas mosaico em torno da bacia do rio Congo durante o final da Idade da Pedra Média e início da Idade da Pedra Superior (Taylor, 2022). Artefactos similares são conhecidos nos sítios arqueológicos de Mosumu, Guiné Equatorial; em Porte de l'Okanda, Gabão; em Gombe Point, Lupemba e Lodjo na República Democrática do Congo; em Musolexi, Angola; em Kalambo Falls, Zâmbia; em Masango, Burundi; em Nsongezi, Uganda e em Muguruk, Kenya.
Sobre a história da recolha, sabe-se que as obras de preparação para o alargamento da via-férrea de Luanda até Ambaca ocorreram entre 1886 e 1887 e terá sido nessa altura, eventualmente, que se recolheu a ponta de Quinfangondo. Contudo, desconhece-se o nome dos autores da escavação além de que a sua recolha terá sido sob a direção do Tenente-Coronel e Engenheiro responsável pela obra (Pereira, 2023).
Segundo Leite de Vasconcelos, que primeiro publicou a peça a pedido de Paul Choffat (Vasconcelos, 1913), a ponta foi doada pelo coletor ao Museu da Comissão dos Trabalhos Geológicos de Lisboa. Mais tarde, terá sido transferida para o Centro de Pré-História e Arqueologia do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT), em data e circunstâncias desconhecidas. Em 2015, com a fusão do IICT com a Universidade de Lisboa a ponta de Quinfangondo está integrada nas Coleções da Arqueologia Colonial Portuguesa geridas pelo Museu Nacional de História Natural e da Ciência e que atualmente se encontram depositadas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
As Coleções de Arqueologia Colonial Portuguesa constituem um acervo único de materiais arqueológicos recolhidos pelas missões antropológicas e arqueológicas que foram promovidas pelas administrações coloniais portuguesas durante o século XX. A coleção de Angola apresenta o maior número de objetos provenientes de prospeções e escavações arqueológicas ao longo de todo o território, seguida pelas coleções de Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste. Este acervo constitui um testemunho material de um período específico da história da ciência e da construção da comunidade de países de língua oficial portuguesa.
Referências bibliográficas:
PEREIRA, Hugo Silveira (2023). «Ferrovia como infraestrutura crítica: estudo de caso dos caminhos de ferro coloniais de Angola, c. 1870-1930», Ler História, 83, Disponível on-line: http://journals.openedition.org/lerhistoria/12410
TAYLOR, Nicholas (2022). «Riddles wrapped inside an enigma. Lupemban MSA technology as a rainforest adaptation: revisiting the lanceolate point». Disponível on-line: Phil. Trans. R. Soc. B37720200484 http://doi.org/10.1098/rstb.2020.0484
VASCONCELOS, José Leite (1913). «Instrumentos líticos da África Portuguesa». O Archeologo Português, 1ª série, Volume XVIII, 174-177 Disponível on-line: https://www.museunacionalarqueologia.gov.pt/arqueologoportugues/o_arqueologo_portugues/serie_1/volume_18/174_instrumentos.pdf
Collections of Portuguese Colonial Archaeology
The Quinfangondo point is a single-find prevenient from the municipality of Cacuaco in Angola, now an urban district, located 30 kilometres from the capital, Luanda, on the banks of the Bengo River.
According to the handwritten note accompanying the piece, the find was collected by Lieutenant-Colonel Teixeira de Moraes in ‘Location Quifangondo. Cave discovered by the opening of the railway trench near this town. N3=Found in a vertical position between clay and plaster at a height of 4 metres above the trackbed.’ As an isolated find, and without any further information about the site, it is impossible to reconstitute the context and exact provenance. Even so, analysis of the artefact's surface, which shows a patina typical of pieces exposed to the environment for a long period, suggests that the tip was on the surface for some time before being deposited in the fissure, probably by fluvial transport in an episode of flooding of the River Bengo.
The piece is 26 cm long and weighs 570 gr and was made using a block of silicified claystone, although it was initially described as a ‘flint spearhead’. The block was bifacially worked (on both sides), with the removal of small chips, using a convergent method of chiselling along the technological axis and subsequent thinning with pressure flaking. This resulted in the definition of a lanceolate morphology, with a trapezoidal section, cutting edges and a sharp point. The morphological characteristics of the piece bring it closer to Lupembense points, artefacts with a distribution restricted to the mosaic forests around the Congo River basin during the late Middle Stone Age and early Upper Stone Age (Taylor, 2022). Similar artefacts are known at the archaeological sites of Mosumu, Equatorial Guinea; Porte de l'Okanda, Gabon; Gombe Point, Lupemba and Lodjo in the Democratic Republic of Congo; Musolexi, Angola; Kalambo Falls, Zambia; Masango, Burundi; Nsongezi, Uganda and Muguruk, Kenya.
About the history of the find, it is known that the preparatory work for the extension of the railway from Luanda to Ambaca took place between 1886 and 1887 and it was possibly at this time that the tip of Quinfangondo was collected. However, the name of the excavators is unknown, as well as the fact that it was collected under the direction of the Lieutenant Colonel and Engineer responsible for the work (Pereira, 2023).
According to Leite de Vasconcelos, who first published the piece at the request of Paul Choffat (Vasconcelos, 1913), the tip was donated by the collector to the Museum of the Lisbon Geological Works Commission. It was later transferred to the Prehistory and Archaeology Centre of the Tropical Scientific Research Institute (IICT), at an unknown date and under unknown circumstances. Since 2015, with the merger of the IICT with the University of Lisbon, the tip of Quinfangondo has been part of the Portuguese Colonial Archaeology Collections managed by the National Museum of Natural History and Science, which are currently deposited at the Faculty of Letters of the University of Lisbon.
The Portuguese Colonial Archaeology Collections are a unique collection of archaeological materials gathered by the anthropological and archaeological missions promoted by the Portuguese colonial administrations during the 20th century. The Angolan collection has the largest number of objects from archaeological surveys and excavations throughout the territory, followed by the collections from Mozambique, Guinea-Bissau and East-Timor. This collection bears material witness to a specific period in the history of science and the construction of the community of Portuguese-speaking countries.
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Bibliographical references:
PEREIRA, Hugo Silveira (2023). “Ferrovia como infraestrutura crítica: estudo de caso dos caminhos de ferro coloniais de Angola, c. 1870-1930”, Ler História, 83, Available online: http://journals.openedition.org/lerhistoria/12410
TAYLOR, Nicholas (2022). “Riddles wrapped inside an enigma. Lupemban MSA technology as a rainforest adaptation: revisiting the lanceolate point”. Available online: Phil. Trans. R. Soc. B37720200484 http://doi.org/10.1098/rstb.2020.0484
VASCONCELOS, José Leite (1913) “Lithic instruments from Portuguese Africa”. O Archeologo Português, 1st series, Volume XVIII, 174-177 Available online: https://www.museunacionalarqueologia.gov.pt/arqueologoportugues/o_arqueologo_portugues/serie_1/volume_18/174_instrumentos.pdf
Texto de I Text by: Daniela de Matos (FLUL, UNIARQ, FCT), Paula do Nascimento (FLUL, UNIARQ, FCT), João Pedro Cunha-Ribeiro (FLUL, UNIARQ)
PROGRAMA ALARGADO
23 janeiro
11h00 às 12h00
15h00 às 16h00
Dia Aberto das Coleções de Arqueologia Colonial Portuguesa
Venha visitar a coleção que se encontra na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Preço: gratuito
Lotação máxima: 15 participantes
Ponto de encontro: Entrada principal da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa
Inscrições:
geral@museus.ulisboa.pt | 213 921 808