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Exposição da artista Natércia Caneira
A imaterialidade da matéria
O regresso[1] da Natércia Caneira ao Museu Nacional de História Natural e da Ciência, com a exposição A Metamorfose das Formas Simples // Bioarte - The Intuitive Behavior, passados oito anos, representa uma continuidade no seu processo criativo. Agora e aqui no Laboratório de Química Analítica a artista expressa-se de uma forma mais livre e mais volátil. A maturidade do seu trabalho aliada à investigação na área da Biologia, resulta numa aproximação mais profunda da Arte com a Ciência. Durante este período de tempo houve lugar para a criação artístico científica e com esse propósito Natércia Caneira transformou a sala do museu, num laboratório-atelier.
Esta exposição está inserida no contexto da Bioarte, Natércia Caneira pesquisou o funcionamento do cérebro humano, a evolução e a sua decomposição e as reações de desconforto ligadas com processos de vida e morte. “Nada mais tendo a esperar da vida, caminhava para a morte como para um fim necessário. E, certo de que cumpriria a morte como cumprira a vida, soluçava sobre a sua felicidade.”[2] Natércia no seu papel de bioartista trabalhou com um biólogo, nesta estreita colaboração desenvolveu procedimentos comuns a ambas as áreas e dá prioridade a considerações éticas e práticas responsáveis. Porque embora a bioarte tenha o potencial de estimular a reflexão dos visitantes, levanta simultaneamente preocupações éticas.
A instalação que se encontra suspensa no centro da sala, que dá o título à exposição é composta por cinco peças sem molde e citando a artista, “como se eu esculpisse no ar, feita de pedaços que são suspensos, trabalhados em várias camadas sempre no espaço, sem matéria. São pinturas suspensas sem nenhuma estrutura previamente feita.” Realizadas em resina epoxi, silicone e arame, na continuação da linha conceptual e nos materiais que a artista vem utilizando há trinta anos, quando teve o primeiro contacto no museu com o departamento de taxidermia, através do seu diretor na altura Professor Galopim de Carvalho, como aluna do Centro de Arte & Comunicação Visual, Ar.Co.
Sobre as bancadas estão instaladas as peças escultóricas, misturados com frascos de laboratório, fatias de cérebros, os cérebros analisados por Natércia Caneira. “Passo da análise científica do cérebro e do seu estudo, para a sua materialização e quando estou a esculpir, a desenhar, abandono a forma racional e a ciência e crio objetos completamente abstratos.” A imaterialidade da matéria, o gesto não material.
Desenhos de fragmentos de cérebros estão pontualmente colocados nas paredes, dentro e fora das vitrines, são o testemunho artístico da investigação científica da Natércia Caneira. Na hotte está instalado um laboratório fictício de preparação de cérebros.
Esta exposição intimista, nasce de um dilema interior de Natércia Caneira, como nos diz a artista, “ao qual entreguei o meu trabalho e o resultado foram estas peças, uma energia inconsciente que desceu dentro de mim e subiu e voltou a descer e a subir. Com as luvas calçadas coloquei a resina e o silicone para unir as peças de uma forma inconsciente como se eu fosse telecomandada, este processo foi muito rápido, fora da minha consciência.”
A insubmissão da Natércia Caneira a si própria gera uma desobediência intrínseca que conduz ao ato da sua criação. “A submissão definia-se pela impossibilidade de desobedecer. Era sua única razão de obedecer.”[3]Natércia obedeceu ao seu instinto artístico com um ímpeto de desobediência.
Continuando a citar a artista, agora sobre a criação da peça escultórica central, “tiro as luvas, paro e vejo o que fiz, agora sim de uma forma consciente. Emoção fortíssima de um reconhecimento de algo muito importante para mim, um misto entre contentamento, orgulho e ao mesmo tempo nostalgia e tristeza. Uma esquizofrenia vibrante e positiva, faz-me reconhecer que é por isto que eu estou aqui, esta ação de 30 minutos dá sentido á minha vida.” A incerteza, a inquietude, o medo são apanágios da alma artística, mas também o sentido da sua arte.
“É bonito e triste e isto faz-me continuar a trabalhar. Sinto-me leve, descontraída e o meu corpo produz algo que tinha que produzir, é uma cena solitária de um conjunto de momentos frágeis guardados em trinta minutos.” A possibilidade infinita do ato de criação materializado e imaterializado na exposição.
“No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física.”[4]
Sofia Marçal
Natércia Caneira - https://naterciacaneira.weebly.com/
[1] Exposição Systemic Factors, apresentada na Sala da Cortiça, de 25 de junho a 16 de agosto de 2015.
[2] Marguerite Yourcenar, in: Como a Água Que Corre, p.18.
[3] Frédéric Gros, in: Desobedecer, p.86.
[4] Clarice Lispector, in: Perto do Coração Selvagem, p.36.
Curadoria: Sofia Marçal
Inauguração: 1 setembro, 18h00 às 20h00
ATIVIDADES ASSOCIADAS
Q&A - CONVERSAS COM A ARTISTA NA EXPOSIÇÃO
10 de setembro, 12h00 às 13h00
Resiliência e o processo criativo
Visita guiada pela artista, com perguntas e respostas, sobre o processo criativo desenvolvido durante os 30 anos deste projeto
14 de setembro, 18h00 às 19h00
Processos de investigação - O artista e o cientista
Visita guiada pela artista, com perguntas e respostas, sobre as similaridades entre o artista e o cientista nos seus processos de investigação
MESA REDONDA
21 de setembro, 18h00 às 19h00
Arte e Ciência: "Ao encontro de Pierre-Paul Broca"
Uma conversa sobre arte e ciência onde se irá abordar o surgimento e desenvolvimento da Bioarte em Portugal.
WORKSHOP
29 de setembro, 19h00 às 21h00
Workshop de observação e desenho das peças em exposição: "Dink and Draw"
Uma festa exclusiva onde o desenho é a forma de comunicação. É pedido aos participantes que se vistam a rigor e venham celebrar o refinamento na arte.