Data
Local
Exposição do artista Manuel Caldeira
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Da margem do Nilo para o laboratório, a materialização de uma viagem filosófica
Do espírito da visita ao Egipto de Manuel Caldeira e em articulação com os objetos cirúrgicos que se encontram na exposição Cuidar e Curar, mostra de objetos da coleção da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, depositados no Museu, o artista criou a exposição Kom Ombo. Como nos diz Manuel Caldeira, “as peças são feitas a partir da coleção dos objetos cirúrgicos que se encontram em exposição no museu e por coincidência vi no Egipto no templo de Kom Ombo uns desenhos gravados com objetos cirúrgicos que os médicos usavam, entre outras, para os processos de embalsamento.”
Da memória da viagem o artista construiu uma ponte entre o Egipto e o museu onde o seu conteúdo expositivo nos leva a sentir esse passado longínquo, agora presente no Laboratório de Química Analítica. “A minha mente continua a conhecer um grande número de cidades que não vi e não virei, nomes que trazem consigo uma figura ou fragmento ou ofuscação de figura imaginada.”[1] A reminiscência dessa viagem e de outras que se realizarão física ou oniricamente, contribuíra para a realização de novas exposições.
Materializada no museu, a exposição é composta por 13 esculturas em terracota espalhadas pelo laboratório colocadas horizontalmente em cima das bancadas como se se tratasse de uma mostra de arqueologia. Exceto uma escultura que se encontra na Hotte e que está instalada verticalmente. Citando o artista “quis que os objetos tivessem um lado de fragmento arqueológico.” Não perdendo o seu caráter de objetos de arte. “Os objetos assim acariciados nascem realmente de uma luz íntima; chegam a um nível de realidade mais elevado que os objetos indiferentes, que os objetos definidos pela realidade geométrica. Propagam uma nova realidade do ser. Tomam lugar não só numa ordem, mas numa comunhão de ordens.”[2]
As peças são feitas em terracota e como nos diz Manuel Caldeira, cor de arenito das ruínas egípcias. Esta cor contrasta com a natureza frieza dos objetos cirúrgicos, criando alguma tensão à natureza dos objetos, originando um contraste e um conflito muito interessante. Assim como a própria textura das esculturas, a sua fragilidade, tornando-as objetos mais efémeros.
A investigação de Manuel Caldeira para a realização da exposição foi direcionada não só para os objetos mais antigos egípcios, mas também para objetos antigos da Índia e dessa hibridação resulta um conjunto de representações de objetos-instrumentos, objetos-artísticos que bem poderiam ser utlizados como instrumentos científicos. Citando o artista, “existem aqui objetos que são quase cópias reais, outros inventados, que não existem, mas poderiam ter existido.”
São intermináveis as contaminações que aqui se cruzam e os campos onde se podem integrar ou analisar esses contágios. A abordagem artística que procura cruzar disciplinas fora das artes plásticas, tem sido parte processual da prática artística de Manuel Caldeira. O estabelecimento de ligações e criação de um plano de compreensão paradoxal entre as áreas tão diversas como o Teatro, a Música, a Física e Geometria, foi importante no percurso artístico e no desenvolvimento de anteriores projetos. O artista utiliza a exposição como forma de investigação.
“O museu é um espaço cujo significado é o produto da confluência e interseção de diversos tipos de linguagem, que colaboram na produção de efeitos de sentido unitário e global.”[3] Como é o caso do Museu Nacional de História Natural e da Ciência onde as várias culturas de encontram sem se anularem e a arte e a Ciência se completam.
Sofia Marçal
[1] Ítalo Calvino in: As cidades Invisíveis, p.39.
[2] Gaston Bachelard, in: A Poética do Espaço, p.241.
[3]Umberto Eco, in: O museu do terceiro milénio, texto integrado no livro o Museu de Isabella Pezzini e de Umberto Eco, p.63.
Agradecimentos: Ar.Co - Centro de Artes e Comunicação Visual
Curadoria: Sofia Marçal
Inauguração: 7 de julho, das 18h00 às 21h00