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Não é difícil imaginar um futuro de conflitos intensificados. Mas haverá alguma hipótese de existir um futuro mais harmonioso? A artista Sofia Arez mostra-nos de 10 de novembro a 13 de dezembro, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, que a criatividade colaborativa dos líquenes pode ser a chave para vivermos as possibilidades regenerativas deste momento.
A exposição SYMBIOSIS, de Sofia Arez, é constituída por um conjunto de obras que retratam líquenes encontrados pela artista nos mais diversos meios: rochas, árvores, muros e penhascos. Estão por todo o lado. Enquanto se desloca a caminho do atelier ou se exercita perto de casa, há florestas escondidas de líquenes que estão à espera de serem descobertas.
Sabemos muito pouco sobre líquenes. É uma parceria simbiótica, uma aliança mutualista, e um organismo de fronteira. Criaturas parecidas com líquenes foram das primeiras a emergir da “sopa primordial” para colonizar o planeta. O modo não dualista de ser líquen encarna a ideia do filósofo francês Jean-Luc Nancy de "ser singular plural".
O pensamento de dois seres de reinos biológicos distintos que não conseguem viver um sem o outro, que se juntam e se alteram mutuamente em colaboração – dois seres que se tornam um só que se regenera infinitamente – leva-nos a olhar para estas obras de Sofia Arez como metáforas e modelos para os meandros das relações entre as entidades vivas na Terra.
A arte é uma lente através da qual podemos explorar a incerteza e examinar tanto a necessidade como as limitações da agência humana num futuro cada vez mais complexo. Esta exposição explora o papel da arte como forma única de investigação de futuros mais harmoniosos e mostra como arte e ciência se podem inter-relacionar e complementar.
Mais informações sobre a artista aqui.
Curadoria: Sofia Marçal
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O líquen emula no tempo
A exposição Symbiosis de Sofia Arez apresenta um conjunto de desenhos sobre líquenes, resultado de um longo trabalho de pesquiza realizado pela artista. Caminhar, observar, recolher e desenhar são práticas integrantes da sua metodologia e da sua essência. A artista devolve um compromisso subtil de serenidade consigo e connosco, na medida em que joga com a intuição e com a racionalização criando composições onde alguns desenhos aqui apresentados se assemelham-se, em muito, a naturezas-mortas.
Esta exposição vem na sequência da exposição Desvio realizada no museu em março de 2020. Não existe linearidade no processo artístico, evocam-se sempre trabalhos passados que reaparecem de outra maneira, utilizam-se metodologias semelhantes para se fazerem coisas diferentes. "Perco a identidade do mundo em mim e existo sem garantias. Realizo o realizável, mas o irrealizável eu vivo e o significado de mim e do mundo e de ti não é evidente. É fantástico, e lido comigo nesses momentos com imensa delicadeza. Deus é uma forma de ser? é a abstração que se materializa na natureza do que existe? As minhas raízes estão nas trevas divinas. Raízes sonolentas. Vacilando nas escuridões."[1] O caracter temporário da criação artística é estrutural na vida de Sofia Arez e propaga-se entre pensamentos e concretizações.
Citando Diogo Teixeira, os líquenes “são, em certo sentido, micro-planetas. Lugares onde um organismo se torna um ecossistema e, concomitantemente, um ecossistema se torna um organismo. Baloiçam – não baloiçamos todos? – entre ‘totalidades’ e ‘coleções de partes’. O vaivém entre estas duas perspetivas faz-nos pensar. A palavra indivíduo vem do latim que significa ‘indivisível’. Será o líquen todo o indivíduo? Ou serão os seus membros constituintes, fungo e alga ou cianobactéria, os indivíduos? Será mesmo esta a pergunta correta a fazer? Os líquenes são menos a soma das suas partes do que o resultado das trocas entre essas partes.” Essa humildade de Sofia Arez na procura de respostas materializa-se e é visualmente harmónica e delicada.
Nestes trabalhos a artistas cria um compromisso entre a sua submissão ao que observa e a sua criatividade. “Embora cada consequência dependa de uma causa universal, nela se misturam tantas outras causas particulares que cada consequência tem, de certa forma, uma causa única. Assim é a arte das regras e o gosto das exceções; o gosto revela-nos em que ocasiões a arte deve dominar e em que outras se deve submeter.”[2] Um pormenor pode estruturar todo o desenho, o mais cativante é o seu processo e como se materializam inúmeros reflexos de líquenes que rodeiam Sofia Arez.
O caminhar artístico de Sofia Arez, a sua apropriação da natureza, onde o devaneio enriquece a sensibilidade ao se defrontar no espaço e com o tempo da criação artística. “A verdade da arte também não é apenas uma questão de estilo. Há na arte uma autonomia abstrata, ilusória: invenção arbitrária privada de algo novo, uma técnica que permanece estranha ao conteúdo ou técnica sem conteúdo, forma sem matéria.”[3] Estes desenhos não são cópias de líquenes, são olhares, movimentos preceptivos, e vão-se construído como processo de criação.
Para a artista a Arte também tem como desígnio a terapia, onde a sua contemplação e fruição nos fortalece e consola. As caminhadas no meio da natureza, a pesquisa de campo e recolha, fazem parte do trabalho, bem-estar e consciencialização de Sofia Arez. Assim nos seus passeios e nos seus desenhos, a artista procura construir uma ponte entre o Homem e a Natureza, na sua relação privilegiada com o meio ambiente.
“A Natureza é um templo vivo onde os pilares
Deixam filtrar não raros insólitos enredos;
O homem cruza-o a meio, um bosque de segredos
Que ali o espreitam com os seus olhos familiares.
Como ecos longos que à distância se matizam
Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.”[4]
Sofia Marçal
[1] Clarice Lispector, in: Água Viva, p.32.
[2] Montesquieu, in: Ensaio sobre o gosto, p.56.
[3] Herbert Marcuse, in: A Dimensão estética, p.43.
[4] Charles Baudelaire, in: As flores do mal, Correspondências, p.93.
Inauguração: 10 dezembro, 18h00 às 20h00